DESMONTE EDUCACIONAL: Três anos de redimensionamento da rede escolar e ilegalidade em Mato Grosso


O presente de grego do governo Mauro Mendes aos municípios de Mato Grosso e a precarização da educação pública em curso

Publicado: 20/12/2023 16:20 | Última modificação: 20/12/2023 16:20

Escrito por: Wagner Zanan *Atualizada

Sintep-MT/Francisco Alves
Comunidade escolar protesta contra o redimensionamento que reduz vagas e fecha escolas

Sim. Começou em 2020, em plena pandemia de Covid-19, o projeto do governo Mauro Mendes de empurrar “goela abaixo” das prefeituras municipais e da comunidade escolar o famigerado “redimensionamento” da rede de ensino do estado de Mato Grosso. Que, na prática, consiste em desobrigar o Estado em relação à oferta de vagas nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) e empurrar a conta para os municípios, em “troca” o governo assumiria os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano).

De lá para cá, o governo MM intensificou a atuação e a pressão para que os municípios em sua totalidade adiram ao novo regime de gestão da educação pública. Desconsiderando se o município tem ou não condições e orçamento para assumir os anos iniciais do Ensino Fundamental. Afirma que o novo formato em regime de colaboração entre estado e municípios, e que disponibilizarão vagas para todos os estudantes. A afirmativa, contudo, esconde algumas armadilhas.

Conforme declara o Secretário de Redes Municipais do SINTEP-MT, professor Henrique Lopes, o Estado entrega para os municípios os estudantes que tem um aporte de recursos menor e assume aqueles estudantes que têm um aporte de recursos maior. O que é inversamente proporcional à participação dos municípios no bolo tributário, explica, Lopes.

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Professores, funcionários da escola, pais e alunos se mobilizam em Rosário Oeste contra municipalização

“O bolo tributário que é destinado para conduzir as políticas públicas não é na mesma proporção entre o estado e os municípios. Por exemplo, o próprio ICMS, que é o maior volume de recursos, dos quais 75% pertencem ao estado, os municípios (142) ficam com apenas 25% e assim sucessivamente com relação aos demais impostos, que não têm o mesmo equilíbrio. Portanto, quem tem a menor receita deve assumir a menor despesa e não é o que tem ocorrido”, pondera o dirigente.

O valor repassado pelo Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação é maior para os alunos dos anos finais em relação aos alunos dos anos iniciais. De acordo com a Tabela de repasses do MEC para 2023, MT recebe R$6.310,84 para cada aluno matriculado nos anos iniciais do ensino fundamental, enquanto que para cada aluno dos anos finais o valor repassado este ano é de R$6.941,93. Já para o Ensino Médio, de reponsabilidade do Estado, o valor repassado chega a R$7.888,55 por aluno matriculado e frequentando a escola.

“Em muitos lugares a gente tem os municípios praticamente com 100% da matrícula, contrariando, inclusive o que diz o Artigo 10, Inciso II da LDB ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que o atendimento é proporcional à questão da responsabilidade”, aponta Lopes.

A maioria dos pequenos municípios de Mato Grosso, por desconhecimento ou por pressão e dificuldade de contrariar os interesse do governador, acabou cedendo e assinando o “convênio”, concordando, assim com o Redimensionamento, sem um estudo aprofundado sobreo impacto nas contas públicas municipais e nos serviços prestados pelo município. 

 

Quem faz as contas, dá contra!

Além do Sintep-MT, que realizou os cálculos e demonstrou matematicamente e contabilmente as complexidades envolvidas no Redimensionamento, o prefeito de Santa Terezinha, um dos menores municípios de MT, situado a aproximadamente 1.350 km da capital, às margens esquerdas do Rio Araguaia, efetuou os cálculos e rejeitou o "convênio", devolvendo assim o cavalo de Troia ao governo.

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Prefeito de Santa Terezinha disse não ao redimensionamento e a transferência de responsabilidade do Estado para o Município

O que nas palavras do Presidente do Sintep-MT, subsede Santa Terezinha, foi uma decisão mais que acertada do prefeito municipal, visto que o município não teria condições de assumir essa conta e o Estado não sinaliza de forma clara que vai e como vai dar apoio financeiro soa municípios que aderirem à pactuação.

Conforme Henrique Lopes, o prefeito de Santa Terezinha fez as contas e percebeu que não conseguiria manter a qualidade da educação ao assumir mais esta responsabilidade. Lopes ressalta que os municípios devem em princípio garantir a educação infantil.  "As prefeituras precisam compreender que a atuação prioritária da rede municipal é a Educação Infantil e, na maioria dos municípios, essa etapa está sendo negligenciada ou sofrendo retrocessos, acabando com a educação infantil em tempo integral, reduzindo para tempo parcial ou não ofertando novas vagas."

MPE defende efeito suspensivo do Decreto Estadual 723/2020

O Ministério Público do Estado propôs o efeito suspensivo do Decreto 723/2020. O MPE entrou com uma ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto 723/2020, devido ao seu Artigo 3º, que dispõe sobre a OBRIGATORIEDADE dos municípios assumirem os anos iniciais do Ensino Fundamental.

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Ministério Público Estadual vê possibilidade de prejuízos à comunidade escolar com o redimensionamento praticado pelo Governo de MT

O TJMT – Tribunal de Justiça de Mato Grosso, negou provimento a Adin, alegando que o decreto não feria a Lei do Sistema Estadual de Educação e que se houvesse inconstitucionalidade, seria referente à Constituição Federal e que, portanto, os autores da Ação deveriam pleitear diretamente nas instâncias responsáveis por preservar a CF, no caso o STF – Superior Tribunal Federal, abstendo-se assim de decidir sobre o assunto em pauta.

STF manda que TJMT julgue o mérito da ADIN

Chegando o recurso no STF, o Ministro Luis Edson Fachin ao invés de julgar a ação, entendeu que o TJMT agiu em equivocado entendimento jurídico. Devolvendo a ADIN à Corte Estadual para que julgue o provimento ou não da Adin. Para, neste caso, em mantendo o entendimento de que não houve afronta à constitucionalidade, os autores possam, então, fazer valer o direito de ter a ação analisada pela Suprema Corte Federal, em grau de recurso.

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Ministro Luis Edson Fachin, do STF

Tal entendimento de Fachin se aproxima da tese do Sintep-MT, de que há ilegalidade no Decreto 723/2020 e que um julgamento da Adin com base nos textos legais que regulamentam a Educação Pública culminarão com o entendimento de que o Decreto fere gravemente à Constituição Federal.

A equação que não bate

Redimensionamento = Mais escolas fechadas

Em 2020, ano em que o Governo MM iniciou o a política de “redimensionamento”, a primeira vítima foi a Escola Estadual Cláudio Aparecido Paro - Escola do Campo, em Tangará da Serra. 

O Censo Escolar 2019 registrou queda de 145.233 matrículas em todas as modalidades de ensino. “As escolas do campo são fechadas sem que respeitem as condições dos estudantes para o frequentar as unidades disponibilizadas e, mais, sem qualquer preocupação com a qualidade da oferta, dado que em muitos casos é agravado pela falta de infraestrutura, para profissionais e estudantes”, ressaltou, na ocasião, o presidente do Sintep/MT, Valdeir Pereira.

Em Cáceres, outra escola fechada pelo redimensionamento: Escola Estadual Criança Cidadã. A política de fechamento de escolas pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) ameaça 450 estudantes matriculados na unidade. A tramitação da denúncia feita pelo Ministério Público Estadual iniciou procedimentos judiciais no dia 06/11/2023. A notícia do fato feita pelo Sintep-MT defende a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

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Escola Criança Cidadã, em Cáceres, uma das ameaçadas de fechamento pela Seduc-MT

A Seduc determinou o fechamento sumário da escola para 2024 sem, ao menos, definir como ficariam os estudantes até então matriculados na referida unidade escolar. Alega que o prédio não tem condições técnicas de continuar operando, por omissão da própria secretaria que há muito tempo não faz manutenção e nem reforma a estrutura física da escola.

O MPE aponta que o fechamento da escola vai gerar muitos transtornos para a comunidade escolar atendida pela Criança Cidadã, com os estudantes tendo de se deslocar para escolas situadas em áreas distantes, e tendo até que atravessarem uma rodovia para poder estudar, aumentando o risco de acidentes na travessia da pista.

Redimensionamento =  Menos vagas escolares

Neste ano de 2023, o “redimensionamento” somado a ampliação da política das escolas cívico-militares fez vítima mais uma comunidade estudantil. Desta vez na capital, Cuiabá. 

Pais, alunos, educadores e trabalhadores da Escola Municipal de Educação Básica Profª. Maria Dimpina Lobo Duarte foram pegos de surpresa com a notícia de que a escola, que fica no Coxipó e atendem a mais de 500 alunos, das quase cerca de 350, do 6º ao 9º ano serão sumariamente transferidas para outras unidades escolares, uma vez que a escola passará a ter alunos apenas do 1º ao 5º ano. 

O fato é que mais uma vez as mudanças chegam de surpresa à comunidade escolar. Ninguém foi avisado, os pais não sabem nem onde, nem como ou quando os filhos estudarão em 2024. E querem que a escola Maria Dimpina continue a oferecer os anos finais do ensino fundamental, mesmo que não seja no modelo cívico-militar, como era ofertado, mas que continue a ser a escola de seus filhos.

Para exemplificar, mais ainda, o Redimensionamento... nas três escolas citadas: Maria Dimpina, Escola do Campo e Escola Criança Cidadã, (que somam 350 + 500 + 350 alunos, respectivamente), em apenas três escolas, mais de mil alunos sem vagas ou tendo que se deslocar grandes distâncias para poder continuar os estudos. 

 

Redimensionamento = Menos trabalhadores na Educação

Cerca de 490 unidades da rede estadual de Mato Grosso ofertavam até 2019, os anos iniciais (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental (dados do INEP/2019). Com o decreto nº 723/20, o governo estadual repassou, já em 2021, as matrículas do primeiro ano, desta etapa, para os municípios. A estimativa é que até 2027, toda a etapa seja repassada para os municípios, o que eliminará postos de aproximadamente 3.200 professores dos anos iniciais. E outros 2.700, dos anos finais, que sofrerão alterações nas funções docentes.

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Professores e funcionários de escola serão impactados diretamente com o redimensionamento

Remanejamento de professores e de funcionários de escola também estão previstos e já acontecendo, levando a categoria a uma situação de insegurança sobre onde e se continuarão a trabalhar depois do redimensionamento em curso.

Novo PNE contra os retrocessos da Educação

Janeiro de 2024 se aproxima e aproxima-se também a oportunidade de dar um basta neste tipo de política nefasta que vem sendo aplicada em Mato Grosso. A construção do novo Plano Nacional de Educação, e sua aprovação no Congresso, pode pôr fim a estes desmandos.

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Conae Extraordinária ocorre em janeiro de 2024, em  Brasília-DF

É necessário a mobilização de toda a comunidade escolar para a aprovação de um PNE cidadão, que garanta o acesso de todos os estudantes a escola, a criação de novas, modernas e bem preparadas unidades escolares, a elaboração de um currículo escolar que consiga criar uma política nacional e unificada de educação, ao mesmo tempo em que assegura que as diferenças regionais e culturais sejam respeitadas e tenham lugar de fala na educação, Eliminar de vez a “prefeiturização” de vagas no ensino fundamental, e também à militarização das nossas escolas, assegurar concursos públicos para o preenchimento efetivo de postos de trabalho na rede pública nos três níveis: federal, estadual e municipal. E garantir uma política de valorização salarial e profissional de todos que trabalham para que o sistema público de educação continue avançando no acesso e qualidade da Educação Pública à toda a população. 

2024 é bem ali. À luta companheiros! À luta comunidade escolar. Quem sabe faz a hora e a hora é agora!