Privatização das escolas públicas no Paraná ameaça sistema público da educação


"A mercantilização” da educação básica é um processo antigo no Brasil, mas o contexto político e econômico que vivemos pode indicar uma tendência de aceleração"

Publicado: 28/10/2022 14:05 | Última modificação: 28/10/2022 14:05

Escrito por: CNTE

Wilson Dias/Agência Brasil

Logo depois dos resultados das eleições, o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), abriu edital para grupos empresariais dispostos a assumirem a gestão de 27 escolas da rede estadual. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), em nota, afirma que é “um projeto-piloto para o que está por vir: o fim da escola pública”.

“Nós avisamos. As urnas eletrônicas mal esfriaram e Ratinho Júnior já confirmou as previsões da APP durante o processo eleitoral: pé na porta da escola pública, assalto por grandes empresas ao dinheiro do Estado, fim da gestão democrática e ampla terceirização do serviço público e seus(suas) trabalhadores(as)”, diz trecho do documento.

O projeto chamado Parceiro da Escola tem a missão de contratar empresas para fazer “o gerenciamento da área administrativa, financeira e estrutural, além da supervisão e apoio na gestão pedagógica das Instituições de Ensino" porque, segundo o governo, a secretaria de educação não vai dar conta de cuidar das mais de duas mil escolas do estado.

A funcionária de escola e diretora executiva educacional na App Sindicato, Nádia Brixner, relata que os sindicalistas da entidade ainda continuam estudando o edital e ficando cada vez mais estarrecidos. “A Secretaria de Educação tem 76 anos e tem referências nacionais no projeto da Educação e agora ouvir que não consegue mais dar conta das escolas e por isso vai entregar as escolas para empresas privadas fazer toda a gestão da escola é algo que nos estarrece demais”, afirmou.

Segundo uma análise crítica do edital, feito pela APP, compete à credenciada: fornecer e distribuir merenda aos alunos e funcionários das Instituições de Ensino; fornecer uniforme aos aluno; prestar serviços; executar e supervisionar a limpeza, conservação e higiene das áreas internas e externas das Instituições de Ensino; manter a infraestrutura das Instituições de Ensino; e disponibilizar para cada Instituição de Ensino um profissional o qual exercerá a função de Administrador Geral e garantir nas Instituições de Ensino internet.

Será pago o valor de R$800,00 mensais por aluno matriculado na Instituição de Ensino, considerando 12 mensalidades anuais. Se a empresa ofertar a modalidade de ensino integral, será pago sobre o custo do aluno (valor unitário/mês) um adicional de 60% pelo período da oferta. Se realizada obra de infraestrutura, será reembolsada em valor equivalente ao dobro do custo por aluno por 12 meses.

“É a verdadeira privatização das escolas públicas, é entregar o dinheiro público, que deveria ser colocado à disposição de toda comunidade escolar, para grandes conglomerados educacionais que visam o lucro. Além disso, os profissionais que serão contratados por essa empresa, com certeza, não terão formação pedagógica para saber trabalhar em lidar com todas as realidades que acontecem dentro da escola, como nós temos hoje”, explicou.

A nota da APP destaca que não haverá processo licitatório e os requisitos do edital sugerem um jogo de cartas marcadas para beneficiar um grupo seleto que cumpre os critérios.

>> Veja o edital completo aqui

Nádia ressalta que a privatização que está acontecendo no Paraná não é novidade no país, porque já existem experiências de terceirização nas escolas públicas em diversos estados, o que, segundo ela, é uma brecha para a privatização por completo. Para ela, este retrocesso no Paraná pode sim se espalhar pelo país.

"Com toda certeza esta medida, se der certo, vai ser copiada por diversos outros estados porque o estado do Paraná tem sido um embrião de muitas propostas e metodologias educacionais que vão se espalhando pelo país. Nós sindicalistas não vamos permitir este retrocesso e vamos dialogar com todo mundo para mostrar o quanto este projeto de Ratinho faz mal para toda comunidade escolar e para o país”, explicou.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) vem debatendo a mercatilização do ensino em diversos espaços. Para o presidente da CNTE, Heleno Araújo Filho, a “mercantilização” da educação básica é um processo antigo no Brasil, mas o contexto político e econômico que vivemos pode indicar uma tendência de aceleração. Ele explica que se trata de uma tendência mundial: "A Internacional da Educação fez uma pesquisa que mostra uma tendência de concentração do ensino em 5 empresas no mundo - e elas querem entrar na educação básica para fazer lucro. Nós vamos continuar combatendo essas modalidades de privatização da escola pública pois entendemos que ela retira direitos da população".

>> Campanha Mundial da Internacional da Educação contra a privatização e o comércio educativo - Educar Não Lucrar

Heleno Araújo finaliza: "Nós repudiamos a privatização das escolas promovida pelo governador Ratinho Júnior e vamos precisar mobilizar não só a categoria mas toda a sociedade brasileira contra essa política. Porque essa medida é uma forma de negar a educação para as pessoas. Isso porque a tendência é o governo entregar a escola para a iniciativa privada e fazer com que futuramente as pessoas paguem a escola mais uma vez, como está acontecendo, por exemplo, com cobrança de taxa escolar nas escolas militarizadas no governo Bolsonaro. Por isso temos que combater essa privatização com muita força".

Sindicalistas resistem e lutam para barrar retrocesso

A proposta do Ratinho Júnior prevê apenas alguns dias para análise e que até o fim do ano o governo já assine o contrato com a empresa escolhida. [veja cronograma do edital abaixo]

A APP já tem plano de ação imediata para combater a privatização nas escolas. Até dia 6/11 os Núcleos Sindicais com escolas listadas deverão reunir-se com as unidades escolares que vão passar por este processo e conversar com todos os profissionais e alertá-los para os perigos. O sindicato também marcou uma audiência pública na ALEP, dia 07 de Novembro às 9h, com representantes dos colégios afetados e dos demais núcleos sindicais. A entidade também vai ingressar com ações no Judiciário e Ministério Público e convocar o Fórum Popular de Educação.

“Nós queremos nos fazer presentes nas escolas para que os pais e mães ouçam o contraponto de tudo que a gente vem levantando sobre a medida, e não apenas a propaganda linda e maravilhosa do governo. Vamos aos quatro cantos do estado para mostrar que Ratinho não está nem aí para a educação pública brasileira”, finalizou Nádia.