Por falta de absorvente, 1 a cada 5 jovens deixa de ir à escola, diz estudo
Ao menos 20% de jovens de 14 a 24 anos que menstruam já deixaram de ir à escola por não terem absorvente. Entre pessoas pretas com renda de até dois salários mínimos, o número sobe para 24%.
Publicado: 07/02/2022 11:26 | Última modificação: 07/02/2022 11:26
Escrito por: Ana Paula Bimbati/UOL, em São Paulo

Os dados fazem parte de uma pesquisa feita pelo Espro (Ensino Social Profissionalizante), organização que oferece capacitação para jovens em busca do primeiro emprego, e a Inciclo, marca de coletores menstruais. O estudo faz parte do Projeto Novo Ciclo de ambas as instituições
O levantamento, obtido com exclusividade pelo UOL, ouviu 2.930 pessoas que menstruam e 805 que não menstruam. A margem de erro é de 2% e o índice de confiabilidade da pesquisa é de 99%
Já faltou à escola por não ter absorvente
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O problema da pobreza menstrual tem se intensificado nos últimos anos. Dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostram, por exemplo, que mais de 700 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas. Além disso, mais de 4 milhões não têm acesso a itens básicos de cuidados menstruais. No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou um projeto de lei que previa a distribuição gratuita de absorventes íntimos em escolas públicas, para moradores de rua, presidiárias e outras pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, com a repercussão da decisão, o governo chegou a afirmar que recuaria na decisão. Desde então, não houve qualquer nova medida do governo federal sobre o assunto
"Nosso trabalho contra a pobreza menstrual não deve ser focado apenas na distribuição de absorventes, mas também em garantir questões como saneamento básico e conhecimento do tema entre meninas e meninos", explica Amanda Sadalla, cofundadora da Serenas, organização que atua nesta e em outras questões ligadas a mulheres e meninas.
Permaneceu mais tempo do que o indicado com o absorvente para economizar dinheiro
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A pesquisa também mostra um outro problema: 42% das pessoas já ficaram mais do que o tempo indicado com o absorvente para economizar dinheiro. O índice sobe para 45% entre as pessoas pretas com até 2 salários mínimos. Pelo menos 32% declararam que já aconteceu de não terem dinheiro para comprar absorvente. "Nós não temos um cruzamento desses dados com o impacto da pandemia, mas sabemos que quem teve mais impacto negativo durante esse período foram as mesmas pessoas: negras, pobres", explica Alessandro Saade, superintendente executivo do Espro
Pobreza Menstrual por Estado
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A estudante Nathalia Gomes, 19, conta que sempre esteve próxima desse assunto, mas havia muita vergonha de falar sobre determinadas questões. "Estudei em escola pública, então cheguei a ter contato com pessoas que pediam emprestado, não falavam abertamente da necessidade, mas com o tempo a gente entende que existia", explica
Para Nathalia, a decisão inicial de vetar o projeto que distribuiria absorventes íntimos foi equivocada. "A gente não menstrua porque escolhe, a gente é assim e por a gente ser assim deveria ter [absorvente] para todo mundo", defende
Stefania Molina, também cofundadoras da Serenas, explica que o trabalho dos municípios e estados já significa um grande avanço. "Ter um projeto a nível nacional é essencial e muito mais efetivo, mas não podemos deixar de comemorar os pequenos passos para chegar no objetivo que queremos [o fim da pobreza menstrual]", disse
A reportagem entrou em contato com jovens que precisaram faltar à escola pela falta de absorvente, mas por constrangimento elas não aceitaram dar entrevista.
Usou outros materiais em vez do absorvente?

Nesse momento devemos gerar o máximo de sinergia. Falar de política pública para esse tema é importante, mas até se converter em prática, as organizações, empresas e a sociedade devem se conscientizar e apoiar. Os jovens precisam se sentir amparados também dentro deste assunto."
Alessandro Saade, superintendente executivo do Espro
Ana Beatriz Barbosa, 15, estuda em uma escola em Camaçari, na Bahia, e contou que já ouviu relatos de diferentes colegas de sala com problemas financeiros para comprar absorvente.
Situações que já aconteceram com você durante o seu período menstrual
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Depois de um projeto dentro da escola, desenvolvido pela diretora Edicléia Pereira Dias, ela passou a entender melhor o problema. "Não imaginava que do meu lado havia meninas faltando uma semana por mês na escola pela falta de absorvente", conta. A diretora criou um banco de absorventes na escola para estudantes que menstruam. A decisão aconteceu em 2010, quando Edicleia precisou entender o motivo da alta evasão escolar no colégio
Apesar de não ter vivenciado nenhuma situação extrema, Ana Beatriz é beneficiada do projeto. "É incrível participar do programa e ver que as meninas não precisam mais faltar por um motivo como esse", comemora a estudante.