Políticas Educacionais de Mato Grosso atacam direitos da Educação Indígena


Governo Mauro Mendes desrespeita a diversidade de saberes dos povos indígenas com sistema estruturado e demais medidas

Publicado: 10/03/2022 11:28 | Última modificação: 10/03/2022 11:28

Escrito por: Roseli Riechelmann

Sintep-MT
Abertura dos trabalhos do Seminário Temático realizado pelo Coeduc (Corpo, Educação e Cultura), programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), coordenado pela professora doutora Beline Salete Grando,

Com 42 etnias indígenas, Mato Grosso registra a diversidade cultural de povos que corresponde a multiplicidade de conhecimentos e saberes. Diante dessa realidade, padronizar a educação indígena a patamares estabelecidos pela Educação Pública do governo Mauro Mendes, tem promovido indignação dos profissionais e entidades que defendem o respeito à diversidade e a inclusão de direitos dos povos indígenas.

A luta por uma educação indígena própria, diferenciada e específica, integrou os debates realizados durante dois dias (8 e 9/03), no auditório do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso. A formação profissional e continuada dos trabalhadores da educação indígena, e os impactos que o modelo de ensino ofertado nas escolas indígenas de Mato Grosso, também estiverem na pauta do Seminário Temático realizado pelo Coeduc (Corpo, Educação e Cultura), programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), coordenado pela professora doutora Beline Salete Grando, com participação de professores, pesquisados da educação indígenas do estado.

A representante do Sintep-MT no Conselho Estadual Indígena, Aparecida Cortez, destacou o comprometimento das políticas do governo Mauro Mendes, para a Educação Indígena.  Cida Cortez elencou medidas como o sistema apostilado; a política de nucleação que retira os indígenas da sua territorialidade; a perda de salas de aulas dos professores indígenas para professores não índios; além de destacar a ausência de uma política de carreira própria para os profissionais indígenas. 

A realidade do processo de aculturação branca sobre os índios, remete ao período da colonização portuguesa e simboliza uma nova ameaça aos povos. Diante desse cenário, o programa realizado em parceria com o Sintep-MT, teve a presença do professor doutor Gersem Luciano Baniwa. Indígena de origem amazonense, da região do Rio Negro, é educador, filósofo, ativista e por várias vezes à frente de cargos na gestão pública, voltada para a Educação Indígena. Na oportunidade apresentamos as seguintes questões ao palestrante convidado.

Professora doutora Beline Salete Grando e o professor doutor Gersem Baniwa em palestra de abertura,  com transmissão virtual

1)Sintep-MT - Professor, qual impacto do sistema estruturado (apostilas) na educação escolar indígena?
Professor Gersem Baniwa – Impacta negativamente, principalmente, na aprendizagem dos jovens e crianças, cidadãos da chamada diversidade. Essa forma estruturada é a forma mais profunda e radical do processo de homogeneização e integração dos sujeitos da diversidade. É grave porque isso fragiliza, nega as identidades, as línguas, os saberes, as epistemologias diversas, outras (Indígenas, negras, quilombolas das comunidades diversas). E vai na contramão do que o mundo está tentando fazer, que é reconhecer as diversidades, nos últimos 50 anos.

2-) Sintep-MT - Como o senhor avalia o apostilamento padronizado do conteúdo didático, para indígenas?
Gersem Baniwa – O apostilamento é um dos piores males, principalmente quando se trata de aluno de escola indígena, é outra crueldade. Material ideal para comunidade indígena é cada um construa o seu material. E não precisa ser bonito não, editado. As maiores riquezas de experiência de sucesso, das chamadas escolas de inclusão pela diversidade, é aquela produzida localmente. As crianças vão produzindo com seus professores e com a comunidade. Produzem o material ao vivo, desenhando cartazes, textos. Ali que eles vão reproduzindo, antigamente eram mimeografados, agora xerocopiados. Depois, com calma, os sistemas podem transformar isso em livros. É muito mais interessante.

3 ) Sintep-MT – Como avalia a docência nas escolas indígenas ser exercida por profissionais não indígenas?
Gersem Baniwa – Dentro do que tratamos de Resoluções e Normas, esta é uma forma perversa de interpretar a Lei e aplicação das normas. Isso não tem nada a ver com a legislação, isso se dá pelas políticas retrógradas dos Sistemas atuais e dos seus gestores. A rigor, essa é a visão etnocêntrica, discriminatória e, por que não, racista, dos que fazem a aplicação da Lei. Isso não está na Lei. Por mais que estejamos vivendo um período de bastante conservadorismo, ultradireita, ultraconservadores. As leis permanecem as mesmas, elas não mudaram. Existem janelas, caminhos possíveis. 
Isso não vinha acontecendo mais no Brasil, essa fase da escola colonial, em que brancos dão aulas para índios.  Até dois anos atrás já tínhamos 97% de professores indígenas atuando nas escolas indígenas, com número muito pequeno de professores não índios, em situações específicas. Isso, que o governo está fazendo é um retorno há, pelo menos, 30 a 40 anos atrás. 
-lo num lugar hostil, onde pode sofrer preconceito e discriminação até violência.

4-) Sintep-MT - Como reverter esse desmonte de conquistas e barrar os retrocessos?
Gersem Baniwa- Precisamos retomar o protagonismo dos povos indígenas, que vem refletindo a limitação trazida pelo processo histórico. O tipo de organização imposta leva os indígenas a pensarem de um modo tutelar, que tem deixado na dependência do branco. O movimento indígena precisa retomar esse protagonismo, repactuar e conceituar para fazer valer isso a partir dos seus direitos. A experiência revela que quando os indígenas tomam a iniciativa, a partir dos seus direitos, as questões avançam para que os sistemas reconheçam e validem. Esperar nunca. 

5) Sintep-MT - Ausência de lei de carreira para os profissionais da educação escolar indígena: Quais especificidades devem estar previstas na lei de carreira?  
Gersem Baniwa -A lei assegura que professores indígenas tenham direito a carreira específica. Estados e municípios já executam isso, como é o caso de Rondônia, que faz inclusive concurso público diferenciado. Roraima, Santa Catarina também. No Amazonas existem alguns municípios. No exemplo de Rondônia, existe a participação da comunidade, a aldeia na admissão e demissão dos profissionais. 

 
 

Professores e pesquisadores indígenas de Mato Grosso participaram do Seminário no auditório do Sintep-MT