O Impacto da Gestão Militar em Escolas: Reflexões Críticas
A implementação de gestões militares em escolas públicas levanta questões profundas sobre os princípios educacionais, os direitos dos estudantes e os valores democráticos
Publicado: 05/12/2024 11:23 | Última modificação: 05/12/2024 11:23
Escrito por: Ester Assalin
A carta de Othávio Tavares, endereçada à gestão militar da Escola Estadual Militar Tiradentes de Rondonópolis, Mato Grosso, evidencia desafios que merecem uma análise cuidadosa, principalmente no que diz respeito à centralização das decisões, à desvalorização de professores e estudantes e ao desrespeito à pluralidade. Contudo, é necessário enfatizar que os problemas destacados não se limitam ao papel secundário dos alunos em uma formatura, mas se estendem à própria estrutura e valores de um modelo de gestão incompatível com os princípios da educação democrática.
A centralização do poder, típica da hierarquia militar, restringe a participação democrática de estudantes e professores, elementos fundamentais para a construção de uma educação inclusiva e plural. No caso descrito, a cerimônia de formatura é um exemplo marcante de como essa abordagem resulta no apagamento das vozes daqueles que realmente dão vida à escola: os alunos e seus docentes. Transformar o momento culminante da trajetória escolar em um evento centrado em discursos de autoridades externas, que desconhecem as lutas e conquistas dos estudantes, não é apenas uma escolha infeliz; é uma manifestação de uma gestão desconectada da essência educativa.
Outro ponto crítico é o foco desproporcional na disciplina, característica das instituições militarizadas, que frequentemente se sobrepõe à formação integral e ao desenvolvimento crítico dos alunos. A educação deveria ser um processo que valoriza a criatividade, a autonomia e a construção do pensamento crítico. Em contraste, o modelo militar prioriza a conformidade e a obediência, limitando o espaço para o protagonismo estudantil e para práticas pedagógicas que acolham as individualidades.
Além disso, a inclusão de um culto ecumênico na cerimônia de formatura, sem consulta à comunidade escolar, é outro exemplo de como a gestão militarizada desconsidera a pluralidade de crenças e a laicidade do Estado. Tal imposição reflete a dificuldade em lidar com a diversidade, um pilar essencial para qualquer instituição educacional. Ao negligenciar a pluralidade, a escola deixa de ser um espaço de convivência democrática e aprendizado coletivo, transformando-se em uma extensão de um modelo autoritário que prioriza a uniformidade.
Os problemas destacados também revelam um desprestígio aos professores, que, apesar de serem fundamentais na formação dos estudantes, foram excluídos de um momento que deveria reconhecer sua contribuição. Essa desvalorização não é um fato isolado; ela reflete a lógica de um modelo que prioriza a hierarquia administrativa em detrimento do trabalho colaborativo e da valorização dos educadores.
Diante de tudo isso, surge a pergunta inevitável: o que esperar de uma escola gerida por militares e não por profissionais da educação? A resposta talvez seja que não podemos esperar algo diferente. A gestão militar traz consigo um modelo rígido, autoritário e desconectado dos valores que deveriam nortear a educação, como a inclusão, a pluralidade, a autonomia e a participação. Não é surpreendente, portanto, que os problemas apontados por Othávio Tavares se manifestem de forma tão explícita; pelo contrário, são consequências previsíveis de um modelo de gestão que não coloca a educação como prioridade.
Mais do que isso, é necessário afirmar que os pontos levantados nesta análise não são questões negociáveis ou que podem ser simplesmente toleradas. O apagamento das vozes dos alunos, a imposição de valores alheios à diversidade, o desrespeito aos professores e a centralização autoritária não são práticas aceitáveis em nenhuma escola, militar ou não. Esses problemas não podem ser relativizados como "falhas pontuais"; são, na verdade, reflexos estruturais de um modelo de gestão que precisa ser questionado e repensado.
Portanto, ao analisarmos os impactos de uma gestão militar em escolas, a pergunta que devemos nos fazer não é apenas o que esperar de tal modelo, mas até que ponto estamos dispostos a aceitar a perpetuação de práticas que desrespeitam os princípios fundamentais da educação. Se a escola é o espaço onde construímos o futuro, cabe a nós, como sociedade, garantir que esse futuro seja moldado por valores democráticos, inclusivos e humanos, e não pela imposição de um modelo autoritário e excludente. Afinal, o que está em jogo é muito mais do que uma cerimônia de formatura; é o direito à educação em sua essência mais plena.
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Ester Assalin - Mestre em Educação/Unemat; Doutoranda em Educação/UFGD; Secretária Adjunta de Comunicação do Sintep-MT