Indígenas ainda são invisíveis nas escolas


“Precisamos descolonizar os currículos”, defende o professor de sociologia e Guarani Ñandeva, Emerson Souza

Publicado: 19/05/2023 12:20 | Última modificação: 19/05/2023 12:20

Escrito por: CNTE

Reprodução

Apesar de quase duplicar sua população no país em pouco mais de uma década, segundo o Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 3 de abril - de 896 mil para 1.65 milhão de pessoas, os indígenas são ignorados pela base curricular brasileira.

A avaliação é do mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, professor de sociologia e Guarani Ñandeva, Emerson Souza - único professor efetivo na escola em que leciona, na Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo

Para ele, até mesmo políticas públicas como a Lei 11.645/2008, que trata do ensino de História e Cuultura Afro-Brasileira e Indígena, têm sido negligenciadas.

“Precisamos descolonizar os currículos”, defende. “O modelo de ensino que adotamos ainda prioriza a matriz europeia, excluindo demais matrizes. Isso se reflete nos espaços públicos. Basta ver quantos indígenas temos na diretoria de ensino do estado de São Paulo”, acrescenta.

O QUE DIZ A LEI

Em relação à educação, a Constituição Federal diz que o ensino fundamental deve ser ministrado em língua portuguesa, mas é assegurada às comunidades indígenas também a utilização das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

De acordo com o Censo Escolar de 2022, das 178,3 mil escolas de ensino básico, 1,9% (3.541) estão localizadas em terra indígena; e 2% (3.597) oferecem educação indígena por meio das redes de ensino. Voltadas ao ensino fundamental, são 1,95% (3.484 escolas) em territórios dos povos originários.

Quando o assunto é o recorte cor/raça, dentre as 72,5% das matrículas de alunos (em torno de 34 milhões) que trazem essa informação, 1% se declararam indígenas.

Para Souza, as dificuldades impostas à profissão de professor/a impactam ainda mais as populações que estão à margem da sociedade e enfrentam condições mais difíceis de progressão na pirâmide social.

Assim, ressalta ele, a extinção das políticas salariais e de evolução funcional dos educadores na rede pública, aliada à falta de uma base curricular capaz de permitir que a cultura indígena seja valorizada e à falta de apoio ao magistério afugentam os povos indígenas da sala de aula.

“A política de aumento por meio de subsídios rompe com a luta por melhorias salariais e a garantia de direitos. Perdemos, nos últimos anos, inúmeras conquistas por meio da política liberal que praticamente acabou com a valorização do salário base. Quando isso vem acompanhado do apontamento da diversidade indígena como algo inferior, temos um ambiente completamente desfavorável a nós”, explica.

MUITO ALÉM DA MUDANÇA DE NOME

Em fevereiro deste ano, no ápice da crise na terra indígena Yanomami, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) já apontava que o problema na região não era apenas a saúde e demonstrava preocupação também com a educação (https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/noticias/75766-educacao-para-povos-indigenas-pede-socorro).

Na avaliação da confederação, os desafios vão desde a ausência de trabalhadores/as em número adequado, até a formação continuada, a falta de material didático específico e estrutura física. Segundo dados do Censo Escolar de 2021 (https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2021/apresentacao_coletiva.pdf30%),
30% das escolas indígenas não tinham energia elétrica, 63% não possuíam água potável e o acesso à internet era disponibilizado para apenas 10% dos colégios localizados em aldeias.

Diante desses desafios, apesar de importantes, a recente mudança de nomenclatura da Fundação Nacional do Índio (Funai) para Fundação Nacional dos Povos Indígenas e a criação do Ministério dos Povos Indígenas serão insuficientes se não contarem com autonomia e recursos para políticas públicas.

Segundo ele, é preciso criar secretarias especiais dentro das secretarias de educação dos estados para pensar questões indígenas e mudar o currículo.

“Para descolonizar, não basta mudar o material didático, também precisamos transformar a forma como os professores agem, a geografia precisa contar a história dos povos indígenas como algo natural dentro da disciplina, por exemplo. Além de reorganizarmos a maneira como grandes universidades disponibilizam cursos voltados às populações indígenas e como discutem temas que nos afetam na graduação e na pós. Para isso, claro, deve existir política de formação para professores sobre a temática indígena”, defende Souza.