Abrir espaço para linguagem neutra é fazer da escola um lugar mais acolhedor


Quando a transgênere não binarie Vênuz Capel abandonou a escola durante o 1º ano do ensino médio, o objetivo era se livrar de um ambiente opressor que não entendia como alguém não poderia ser masculino ou feminino.

Publicado: 18/02/2023 09:40 | Última modificação: 18/02/2023 09:40

Escrito por: Redação/CNTE

Tania Rego/Agência Brasil

Quando a transgênere não binarie Vênuz Capel abandonou a escola durante o 1º ano do ensino médio, o objetivo era se livrar de um ambiente opressor que não entendia como alguém não poderia ser masculino ou feminino.

Comunicadore Social e idealizadore ao lado de Raphaella Gome do projeto sociocultural Transceda, elu se lembra que chegou a conversar com direção sobre como poderia fazer uso dos banheiros e ouviu a sugestão de utilizar o dos professores. “Só com o tempo eu fui entender que isso é uma forma de violência, de esconder esses corpos e não encontrar uma forma adequada de tratá-los”, lembra.

Fazer do ambiente escolar um espaço mais inclusivo é uma das lutas que Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Educação (CNTE) promove e ganhou mais um capítulo no último dia 10, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma lei de Rondônia que proibia o uso de linguagem neutra na grade curricular, material didático de escolas públicas e privadas e em editais de concursos públicos.

O estado foi o primeiro a aprovar uma medida assim, mas, segundo levantamento da Agência Diadorim, de outubro de 2021, havia 34 propostas legislativas que pautavam a proibição da variação linguística. Os projetos vão desde o uso na educação e administração pública até a censura a produções culturais. A maior parte das iniciativas, 13, são de parlamentares do PSL, partido do ex-presidente derrotado nas últimas eleições, Jair Bolsonaro.

A alegação do tribunal de que norma estadual não pode definir diretrizes educacionais, um papel exclusivo da União, serve como referência para abafar tentativas de processos semelhantes nos estados e municípios, conforme destaca o doutor em Educação e Secretário de Direitos Humanos da CNTE, José Christovam Filho.

“Brasil afora, temos Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores extremamente radicais, muito retrógradas, conservadoras e com caráter fascista. A partir da decisão do Supremo, elas ficam impedidas de prosseguir nessa discussão”, afirma.

O dirigente destaca que o posicionamento traz o tema para o âmbito nacional e torna necessária a inclusão de representantes dos movimentos sindical e sociais, como a CNTE, numa tratativa sobre um modelo de educação mais inclusivo.

Pauta fundamental para combater a sensação de insegurança que aflige a maior parte dos e das estudantes, conforme aponta uma pesquisa realizada em sete países da América Latina entre dezembro de 2015 e março de 2016. De acordo com o levantamento, no Brasil, 73% dos entrevistados, entrevistas e entrevistades sofreram bullying homofóbico e 37% já haviam sofrido violência física.

Língua viva

A linguagem neutra, não binária ou inclusiva propõe o uso de pronomes neutros ou inclusivos em alternativa ao caráter binário, feminino e masculino, da língua. Palavras como “todas” ou “todos” são grafadas como “todes”, por exemplo, para evitar a marcação de gênero.

Christovam questiona quem diz que essa alteração seria uma forma de contrariar a norma culta e destaca o caráter inclusivo da prática. Para ele, a linguagem neutra não exclui masculino ou feminino, mas inclui uma terceira possiblidade de pessoas que não se identificam com essas opções.

O dirigente aponta ainda não haver a necessidade da exigência de uma lei específica para que o uso da linguagem inclusiva seja feito nas escolas públicas brasileiras. Ele defende que a língua é viva e a escola usará gírias e regionalismo, mesmo sem amparo legal, e que as transformações são inevitáveis.

“Quem acha que há um padrão imutável está completamente distante da discussão que se faz sobre o debate linguístico. A língua absorve as mudanças sociais e se constrói no cotidiano”, explica.

Porém, ressalta, a CNTE promove e apoia a discussão sobre o tema em defesa de uma escola inclusiva, laica, pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. Para que ela seja um espaço onde todos os agentes dentro delas, sejam professores, professoras, trabalhadores e trabalhadoras da educação, alunos, alunas e alunes, sejam acolhides, independente de gênero e orientação sexual.

A discussão também é necessária para que estudantes não se sintam inseguros a ponto de terem de esconder a orientação sexual dos professores e professoras.

Para Vênuz, a linguagem neutra é antes de tudo sobre incluir todos os corpos e combater uma lógica colonial.

“A linguagem neutra transforma o lugar em algo saudável e amigável e posso dizer isso também a partir das experiências que temos hoje quando conversamos com jovens, fazemos oficinas e palestras. Adotá-la é descolonizar a língua portuguesa, construída em cima de tantas violências estruturais pelas quais o Brasil passou”, define.
Formação

Para que a desconstrução de preconceitos ocorra e novos valores possam emergir, a CNTE defende que a discussão sobre linguagem neutra esteja presente na forma inicial e também continuada dos educadores e educadoras. Além do debate contínuo para que os trabalhadores e trabalhadoras possam ser profissionais acolhedores e entender todas as demandas que a escola pública apresenta.

Para a confederação, não basta apresentar a necessidade, é preciso discutir, problematizar e entender porque a linguagem inclusiva é relevante, um papel que cabe ao Estado. “É extremamente importante que façamos esse debate na matriz curricular da formação inicial e siga em um processo de preparação continuado”, indica Christovam.