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Vamos ofertar Cursos Técnicos para Funcionários da Educação?

Publicado: 22/11/2021 13:01

Comecemos definindo os termos. Quais áreas de trabalho se incluem entre os “funcionários e funcionárias da educação”? O acúmulo de doutrina do Conselho Nacional de Educação e o estudo do cotidiano das escolas distingue nelas dois grupos de trabalhadores: os docentes ou professores e os não-docentes, entre os quais se incorporaram no decorrer da história do Brasil porteiros, cozinheiros, enfermeiros, sacristãos, servidores em bibliotecas e secretarias, pintores, ferreiros, pedreiros, agentes de limpeza. 

Espacialmente, podemos simplificar: nos espaços de ensino ou salas de aula trabalhavam os professores, desde 1550, e, a partir de 1827, as professoras – estas destinadas à educação das meninas e adolescentes. Nos outros espaços – os acima citados e outros ligados indiretamente ao funcionamento dos colégios – foram-se “dispensando” e adicionando novos e velhos trabalhadores. Exemplificando, respectivamente, escravos vaqueiros e pescadores, dedicados a prover alimentação para estudantes de internatos, não existem mais; e surgiram motoristas de ônibus e barcos para transporte dos escolares, bem como cuidadores de crianças em creches e de estudantes deficientes em todas as idades. 

E como foram recrutados os educadores? É fundamental estudar a evolução da “oferta” e da formação destes trabalhadores em educação. Neste editorial não é possível detalhar o que ocorreu nos séculos XVI, XVII e XVIII. Basta registrar que os professores – todos religiosos, principalmente os jesuítas até 1759 – tinham uma formação teórica em Letras, Filosofia e Teologia e prática pedagógica supervisionada, semelhante ao que se propõe atualmente com as “residências pedagógicas”. Com a criação das Aulas Régias, de 1772 a 1822, abandonou-se esta formação sólida e adotou-se o princípio de que “quem sabe mais pode ensinar quem sabe menos.
Improvisaram-se os professores leigos: sacerdotes, comerciantes e agricultores com “tempo parcial” no ensino elementar e secundário.  https://professormonlevade.wordpress.com/ Já os “não-docentes”, antes citados, tanto de instituições formais ou internatos, como os Seminários e Liceus, quanto auxiliares de todo tipo nas escolas menores, eram admitidos por seu saber “prático”.

A partir de 1835, sob forte influência da cultura escolar francesa e alemã, foram instituídos Cursos Normais para formação dos e das professores(as) primárias, que se concentraram já na República em Escolas Normais e Institutos de Educação. A formação para as disciplinas dos cursos secundários derivava de graduações específicas e evoluíram no século XX para licenciaturas, com currículo que somava conteúdos de cultura geral e pedagógicos nas diversas áreas do conhecimento. E como aconteceu na formação dos não-docentes? Os funcionários (ou “servidores”) não-docentes não possuíam cursos de formação específico. Eram mais ou menos “letrados” segundo o grau de semelhança de suas funções com as dos professores. De auxiliares de bibliotecas e de secretarias se esperava que tivessem ensino secundário ou que fossem “professores readaptados”. Para funções menos intelectuais, mesmo nas redes públicas, como as de porteiro, zelador, inspetor de disciplina e, mais recentemente, de merendeiras e motoristas, o importante era comprovarem “habilidades” para “apoiarem” o processo educativo. 

O grande crescimento do número de escolas e de estudantes de 1946 em diante, tempo da democratização do acesso de milhões de crianças e adolescentes, fez coabitarem duas formas de acesso, ambas sem formação específica: por concursos públicos com exigência de escolaridade mínima, e por indicação política para serviços temporários, como são os mandatos de prefeitos, vereadores, deputados e governadores.

A partir de 1963, o estado de Mato Grosso, por influência do movimento sindical, assistiu a uma mudança radical: a formação técnico-pedagógica, em nível e em serviço, dos(as) funcionários(as) nos cursos de nutrição escolar, infraestrutura escolar, gestão educacional e multimeios didáticos.  Foram oferecidos primeiro pela Prefeitura de Cuiabá e em seguida, para quase 8 mil servidores da rede estadual, pela Secretaria de Educação, pelo Projeto Arara Azul. Cabe registrar que o Conselho Estadual de Educação validou currículos e diplomas por meio de uma “acrobacia” que seria o fundamento da futura oficialização destes cursos no Conselho Nacional de Educação, pela Resolução 05/2005 da Câmara de Educação Básica. https://professormonlevade.wordpress.com/. Entre os 215 cursos técnicos reconhecidos pelo atual CNE e pelo MEC por maio do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, estão presentes os quatro cursos, com pequena diferença nos títulos: em vez de Nutrição, Alimentação; em vez de Gestão, Secretaria Escolar. E com a previsão no Plano Nacional de Educação de cursos para outras funções que se fizerem necessárias.

Inspirados no êxito do Arara Azul, inclusive na formação de lideranças que impulsionaram a unificação sindical dos trabalhadores da educação básica pública na CNTE, em 1990, surgiram iniciativas de oferta dos mesmos cursos no Distrito Federal, no Acre e no Mato Grosso do Sul, governados pelo Partido dos Trabalhadores. 
Vamos ofertar Cursos Técnicos para Funcionários da Educação? Com a eleição do Presidente Lula e a presença no MEC de gestores oriundos da CNTE, logo após um Seminário Nacional para discutir a Valorização dos Funcionários, preparou-se o terreno para duas ações articuladas: a aprovação na Câmara de Educação Básica do CNE da 21ª Área de Formação Profissional – a de Serviços de Apoio Educacional, pela Resolução 05, DE 2005. Em que pese a impropriedade do título do conjunto de cursos (de “apoio”), o importante foi a construção das diretrizes curriculares para os quatro Cursos, que possibilitou a criação na
Secretaria de Educação Básica do MEC de um programa de ações técnicopedagógicas à oferta, primeiro por cinco estados, depois por quase todos, dos quatro Cursos Técnicos: o PROFUNCIONÁRIO. Uma equipe de especialistas ligados UnB coordenou a elaboração de 37 Módulos (depois) chamados “cadernos didáticos”) com conteúdo dos componentes curriculares de formação pedagógica geral e técnica específica nas 4 áreas. 

A principal mensagem deste editorial é decorrente da “desativação” do Profuncionário pelos atuais dirigentes do MEC. Havendo quase dois milhões de funcionários nas redes estaduais, municipais e privadas de educação básica, atuantes em suas etapas e modalidades, que demandam formação de educadores, e subsistindo um projeto e modelo pedagógico aprovado pelo CNE, com material didático disponível, QUALQUER ESCOLA DE ENSINO MÉDIO DO BRASIL, pública ou particular, poderá ofertar cursos de formação inicial profissional para adolescentes e jovens e cursos de formação continuada. Para isto, duas instituições têm papel essencial: os Sindicatos de Trabalhadores da educação básica, reunidos pela CNTE, e os Conselhos Estaduais de Educação, responsáveis pela autorização e reconhecimento dos cursos, à luz das normas do Conselho Nacional de Educação.  https://professormonlevade.wordpress.com/

Os cursos de formação continuada de adultos trabalhadores nas redes estaduais e municipais contam para a efetivação desta política – prevista no atual Plano Nacional de Educação e nos planos dos entes subnacionais – com a firme colaboração dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação e, principalmente, das respectivas Secretarias. Na realidade, isto já está acontecendo, em vários municípios de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, que ensaiam uma inovação: a oferta do Curso Técnico para uma quinta área de atuação, a de TDI – Técnicas em Desenvolvimento Infantil.
Finalmente, cumpre registrar o avanço recente, mais significativo na formação dos(as) funcionárias da educação básica: a aprovação, pela Resolução 02 de 2016, na Câmara de Educação Superior do CNE, que aprovou as diretrizes curriculares dos Cursos Superiores de Tecnologia em Educação e Processos de Trabalho nas quatro áreas do Profuncionário. 

Mais uma vez, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso estão à frente, o primeiro com o Curso Superior em Alimentação Escolar, em funcionamento na UFMS em parceria com a FETEMS e atendendo a 120 estudantes/funcionárias. O segundo, com o IFMT, lutando para atender com os quatro cursos a uma demanda ativa de 10.240 funcionários(as), entregue pelo Sintep ao Reitor em 2019, agora objetos de aprovação em seu Conselho Superior.
Longo caminho deve ainda ser percorrido para a formação técnica de mais de um milhão de funcionários(as) no Brasil. Haja desafio!  

Professor doutor João Antônio Cabral de Monlevade