Este artigo tem como objetivo analisar o sofrimento psíquico dos professores da rede do Estado de Mato Grosso a partir da crítica filosófica de Byung-Chul Han à sociedade do desempenho. Partindo de dados de uma pesquisa empírica realizada com docentes do estado, e em pesquisas que analisaram a saúde mental de professores dos anos iniciais do município de Sinop-MT e dos professores do ensino superior de instituições estadual e federal, o texto busca refletir sobre as condições de trabalho e suas consequências sobre a saúde mental docente. Em contraponto à lógica performática, propõe-se uma aproximação com a filosofia do Bem Viver como horizonte de ressignificação da prática educativa. A abordagem utilizada é qualitativa com aporte filosófico e intercultural. Ao final, defende-se a urgência de uma transformação no modelo educacional hegemônico, tendo a saúde mental docente como eixo central para repensar a experiência escolar.
1. Introdução
O presente artigo surge do estranhamento, questionamento e necessidade de compreensão do adoecimento mental dos professores da educação pública no Estado de Mato Grosso. Não se trata de uma abordagem de viés psicológico ou institucional, mas de uma investigação filosófica do possível esgotamento existencial provocado por uma cultura que prioriza e valoriza financeiramente o desempenho ainda que as custas da saúde mental dos trabalhadores da educação.
Os dados que serão apresentados indicam que as condições de trabalho impostas aos docentes no atual modelo educacional causam sofrimento psíquico, alienação entre o docente e sua profissão, além do esvaziamento do sentido do fazer educacional.
Uniremos esses dados à crítica do filósofo Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço (2015), para analisar a realidade dos professores como seres atravessados por um processo diário de auto exploração, pressão por resultados e dissolução dos laços comunitários. Para além desse diagnóstico da cultura do cansaço, propomos uma abertura para outros modos de existir e educar, inspirados na filosofia do Bem Viver, como encontramos em Ailton Krenak, Davi Kopenawa e Eliane Potiguara. O que o modo de viver de nossos povos originários tem de radicalmente diverso de nosso atual modo de viver na educação mato-grossense, que possa nos desafiar a pensar para além do diagnóstico de cansaço? Seria possível a construção de um fazer docente sustentável a longo prazo?
Byung-Chul Han argumenta que a sociedade contemporânea se deslocou de um regime disciplinar para um regime de auto exploração. O sujeito neoliberal é aquele que acredita ser livre, mas está preso à lógica da performance. Essa lógica adentrou o espaço escolar, transformando o professor em um agente de metas, indicadores, registros e produtividade, dissociando-o do tempo da escuta, do encontro e da reflexão. Como agravante, estamos inseridos em um contexto de discurso de positividade constante, que não reconhece a pressão por resultados como algo que está nos adoecendo. Biologicamente, o estranhamento da ameaça faz nosso corpo reagir; filosoficamente, o estranhamento de aspectos da realidade nos permite questionar e inventar possibilidades.
O cenário da profissão docente no Estado de Mato Grosso dialoga diretamente com a ideia de uma "violência neuronal" (Han, 2015), na qual o sujeito internaliza o fracasso quando não atinge as metas que lhe são impostas externamente; transformando-o em culpa pessoal. O professor, sem espaço para experienciar o ócio criativo ou o erro, adoece dentro de uma instituição que cobra eficiência, mas não oferece acolhimento.
Han (2015, p.18) escreve que a sociedade está inserida em um movimento de sobrevivência frenético. Parece um retorno à existência mais primitiva, em que a atenção está focada em sobreviver o tempo todo, enquanto os ataques pessoais e assédio crescem em escala. A preocupação com o bem viver, que possibilita o bem conviver, já não encontra espaço na existência do indivíduo.
O professor da rede estadual, igualmente, está em um constante movimento de sobrevivência em meio a um mar de exigências burocráticas cotidianas. No espaço escolar também encontramos o assédio institucional crescendo em escala alarmante. O tempo para o bem viver, para a convivência saudável na instituição escolar, está comprometido pela necessidade de sobrevivência.
2. Panorama do movimento sindical e três recortes da incidência de enfermidades mentais ligadas ao trabalho docente
No dia 04 de julho de 2025, em matéria publicada na página do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Mato Grosso (SINTEP-MT), Roseli Riechelmann chama a atenção para a cobrança por parte dos trabalhadores da educação, de políticas preventivas diante do aumento do adoecimento profissional. A autora afirma que as licenças médicas na educação estadual quase dobraram no intervalo de cinco anos, de 2019 a 2024, e que os dados citados na matéria são provenientes da Gerência em Informação de Saúde dos Servidores de Mato Grosso. Essas informações deslocaram a pauta da saúde física e emocional da categoria para o espaço de debate sindical.
A matéria apresenta como dado inicial que no ano de 2019, 8.541 servidores estiveram licenciados para tratamento de saúde. Desse total, 45,84 (3.915) eram da educação. Já no ano de 2024, até o mês de julho, já havia 6.173 servidores licenciados para tratamento de saúde, dos quais 46,77%, cerca de 3000, eram da educação. Ressalta-se que apenas seis meses do ano de 2024 haviam sido computados.
Dos 8.541 servidores afastados para tratamento de saúde no ano de 2019, a distribuição percentual por órgão indica destaque para a SEDUC MT com 45,84% dos afastamentos, seguida pela Polícia Militar do Estado (PMMT), com 13,56% e pela Secretaria de Segurança do Estado com 10,44%. Em último lugar nessa classificação está a Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (SETAS) com 0,68% dos afastamentos. Já em 2024, dos 6.173 afastamentos, a SEDUC liderou com 46,77%, seguida pela SESP, com 12,77% e pela PMMT, com 9,69%. Em último lugar, figurou a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso (SINFRA), com 0,52% dos afastamentos para tratamentos de saúde.
Na sequência, a matéria apresenta a opinião do presidente do SINTEP-MT, Henrique Lopes, que afirma que o adoecimento seria resultante de medidas adotadas pelo Estado ou da ausência de medidas referentes a esse problema. O dirigente sindical sustenta que, em sete anos de gestão do atual governo estadual, a categoria teve seus vencimentos prejudicados e sua condição de saúde agravada. Essa avaliação fundamenta-se nos relatos de filiados que atribuem o adoecimento à pressão por resultados via gestão, à ampliação da carga horária de trabalho, à valorização profissional atrelada a gratificações por desempenho, e à intensificação da violência e do assédio nas escolas.
A matéria segue apresentando os percentuais por Classificação Internacional de Doenças (CID) e por cargo dos afastamentos da SEDUC-MT. Verifica-se que 17,56% dos casos não possuem identificação; 11,72% referem-se a ansiedade generalizada; e, em terceiro lugar, 8,98% correspondem a transtorno misto ansioso e depressivo. Os afastamentos para tratamento de saúde mental chegaram a 30% do total.
As informações púbicas dos índices de afastamento na SEDUC-MT estão disponíveis apenas até o primeiro semestre de 2024. Desde o primeiro semestre de 2020, existia o Projeto para Erradicação do Absenteísmo (ERA), no âmbito da Secretaria Estadual de Educação. O projeto apresentava relatórios semestrais de ausências e afastamentos de servidores, bem como propostas pontuais de intervenção nas unidades escolares para promover a saúde e bem-estar dos trabalhadores. No entanto, o projeto foi descontinuado, assim como os relatórios semestrais atualizados.
Entre fevereiro e março de 2025, com o objetivo de aferir o possível índice de ansiedade dos trabalhadores da educação, realizamos a adaptação do teste de rastreamento recomendado pelo Ministério da Saúde (MS), transformando-o em questionário virtual anônimo, disponibilizado por meio da plataforma Google Forms, com uma breve introdução acerca do objetivo das questões. O referido teste é uma orientação do MS para uma abordagem inicial, prevendo que, quando o entrevistado responde “SIM” a uma das questões, seja encaminhado para atendimento médico especializado. As respostas possíveis ao questionário foram “SIM” ou “NÃO”. Obtivemos 313 respostas, a partir do link encaminhado em grupos de WhatsApp de trabalhadores da educação dos quais a pesquisadora faz parte, bem como via e-mail para todas as Diretorias Regionais de Educação (DREs), que socializaram com as escolas. Os seguintes dados foram aferidos:
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Do total de 313 trabalhadores que responderam ao questionário, nem todos contribuíram com a questão dissertativa: “Na sua opinião, o que o Estado do Mato Grosso pode fazer para melhorar a saúde mental dos trabalhadores da educação?” Apenas 251 registraram suas respostas:
A seguir, transqueve-se uma amostra das respostas iniciais, mantendo a redação encaminhada pelos trabalhadores por meio do formulário:
Trabalhador (T) 1: “não por mim, mas pelos colegas com que trabalho, a seduc/mt "deixar o professor trabalhar". Eu explico: "a burocracia", tantas avaliações externas que abarrotam, entulham, tiram o tempo de o professor aprofundar os conteúdos necessários com os estudante. Não dá mais tempo de desenvolver pesquisa, planejar, pois, sempre são interrompidas com "planos" do governo. Fazemos planejamento e temos que trabalhar os dele. São tantos links, cursos sem nexo que atrapalham o trabalho docente tirando praticamente toda nossa tão sofrida conquistada hora atividade.. Em especial, no nosso estado, o governo adotou material estruturado e digamos: o professor deveria ser o avaliador do trabalho desenvolvido, pois ele está diretamente ligado ao fazer do estudante. ... Depois a seduc produz uma avaliação ao seu modo e apura resultados. E não é só uma....considero assédio moral e profissional. Quem molha a camisa em sala, que desperta os estudantes do sono, quem busca os estudantes que abandona, com certeza são os professora. Desburocratizar o ensino seria uma tentativa mais assertiva para termos melhores resultados.”
T2: “Aumentar a quantidade de técnicos por escola”
T3: “Reduzir jornada de 24 aulas para 20 semanais. Reduzir de 35 para 25 alunos em cada sala de aula. Aumentar a remuneração. Contratar mais funcionários para apoio (agente de pátio, psicossocial em todos os turnos).”
T4: “A política de arrocho salarial destrói a saúde mental. A engrenagem de recompensa por produtividade destrói o ânimo e a vontade dar boas aulas, preparar. A retirada da autonomia das escolas e o fim da gestão democrática paralisa os profissionais da educação. Mas o governo sabe disso e tudo é intencional, é isso que o governo quer, servidores exaustos, sem força para lutar por seus direitos.”
T5: “Oportunizar, de forma gratuita e prioritária, atendimento com psicólogo e psiquiatra aos servidores efetivos e contratados da educação básica.”
T6: “Retirar várias cobranças que tem depositado sobre os professores. Reestabelecer liberdade de ensino, de aprovação e reprovação. Adotar um ambiente não assediador.”
T7: “Não sei dizer, talvez turmas com menor de alunos. Acredito que o pior do trabalho do professor no momento são os alunos desmotivados e sem interesse em aprender, bem como, a indisciplina e a omissão de pais e responsáveis.”
T8: “A pressão por resultados é um dos principais motivos para desencadear os transtornos de ansiedade na profissão docente. Nesse sentido, penso que Estado poderia criar estratégias visando diminuir essas pressões, tais como, flexibilizar a hora-atividade (obs.: a partir desse ano isso irá acontecer em relação a ela), diminuir o número de alunos por sala de aula, implantar, no caso do ensino médio, no mínimo duas aulas por disciplina e rever a estrutura da GR - Gratificação por Resultado. No caso desta última muitos professores acabam indo trabalhar docentes para não perder essa bonificação.”
T9: “opção 1- formar Gestores únicos, por concurso, formado em gestão Pública 2- formar coordenadores e articuladores capacitados para função - com concurso especifico ou não - deliberar ações que a DRE - pessoal de lá seja competente capacitados e que não usem como cabide forçando tudo para os professores. que a SEDUC - coloque cada qual em tua função - administrativo que cuide do Burocrático em um todo e não o professor fazer coisas do administrativo - Não trabalhar com pressão psicológica ao professor e parar de passar a mão nos alunos - fazendo aprovações indevidas - somente para alcançar índices, o que não é vdd, pois coloca o professor direto com o aluno, e o aluno faz descaso com o professor, pois, se ele estuda ou não, ele passa para o ano seguinte.. é lamentável., principalmente no noturno.”
T10: “Não reduzindo tanto o número de funcionários, pois sobrecarrega outros”
3 – Breve histórico da Gratificação por Desempenho (GR) no Estado de Mato Grosso
Existe um fator que pode estar influenciando negativamente a saúde mental docente em nosso estado. A Lei Complementar 756, no Art. 4º acrescentou ao art. 44 da Lei Complementar 50/1998, uma referência sobre a gratificação anual por eficiência e resultado (GR): que poderá ser em parcela única anual e limitada ao valor de duas vezes o valor da classe e nível iniciais do cargo de concurso do professor com carga horária de 30h semanais.
O Decreto 256 de maio de 2023 regulamentou a Lei Complementar 756 e estabeleceu critérios e metas individuais e coletivas para a gratificação anual por desempenho: reduzir a evasão escolar, bom resultado no IPEA, horas de formação continuada e redução de dias de afastamento por ano são alguns dos itens apontados no Decreto. Seguindo esses indicativos, em dezembro de 2023 o governo estadual fez o pagamento da primeira gratificação anual por eficiência e Resultado investindo aproximadamente R$ 244,4 milhões, em parcela única junto ao salário de dezembro [1].
E o que é o IPEA? É o indicador do processo de ensino e aprendizagem de Mato Grosso, uma avaliação diagnóstica realizada pela SEDUC-MT e Fundação Getúlio Vargas (FGV) para aferir a proficiência dos estudantes da rede estadual do 2º ao 9º anos do Ensino Fundamental e do 1º ao 3º anos do Ensino Médio nas disciplinas de Português e Matemática. Sua primeira edição foi no ano de 2022.
Em agosto de 2024, o Decreto 984 reforçou as regras para a GR, em setembro de 2024 o governo estadual lançou uma plataforma que explicava e possibilitava a simulação do cálculo da GR pelo servidor, em dezembro de 2024 foi realizado o segundo pagamento da GR no mês de dezembro junto ao 13º salário e o governo investiu aproximadamente R$ 220 milhões.
As regras para a GR de 2025 indicam que o servidor que teve mais de 50% de afastamento em dias úteis não tem direito a receber, o professor pode fazer até 150 pontos por horas de formação continuada, pode pontuar até 450 caso não tenha faltas ou afastamentos ao longo do ano, pode alcançar a meta coletiva de nota no IPEA e redução na evasão escolar. Atingindo a meta, o professor pode receber até R$ 10.044 e o técnico ou apoio pode chegar a R$ 5.022.
As demais disciplinas que compõem o currículo do estudante do ensino fundamental e médio estadual não são avaliadas com equidade dentro dessa dinâmica. Observamos também o aumento da carga horária de aulas voltado para as disciplinas em questão, enquanto disciplinas como Filosofia, Sociologia e Artes sofreram redução na carga horária. Temos como consequência a desvalorização dos professores das demais disciplinas e a precarização do seu trabalho docente com a redução da carga horária e consequente aumento do número de turmas. Hoje, um professor de Filosofia tem 24 turmas com 30 estudantes em média cada, para fechar sua carga horária de 30h de trabalho semanal.
4 – O que os pesquisadores do Estado de Mato Grosso estão escrevendo sobre a saúde mental docente?
Trevisan (2024), realizou um estudo de caso abordando 05 docentes da rede municipal de Sinop-MT e concluiu que a carga sobre a saúde mental dos entrevistados era crescente. Esses professores estavam em atuação nos anos iniciais. A autora faz menção a fatores que colaboram para o crescimento do adoecimento entre os trabalhadores tais como: a elevada responsabilidade do cargo ocupado, as cobranças excessivas, o ritmo social frenético que adentrou a escola, a pressão por resultados e a responsabilização do professor pelo fracasso dos estudantes.
A pesquisadora apresenta relatos nos quais os docentes afirmam terem sua saúde mental abalada por tragédias e morte de estudantes e professores Brasil afora, pelas expectativas dos responsáveis, da administração e da própria escola sobre a implementação de projetos; pelas crianças que chegam até à educação formal na escola sem terem conhecido limites na educação doméstica; pela acumulação de problemas pessoais, com problemas dos colegas de profissão e problemas que os estudantes relatam diariamente e a frustração em perceber que os estudantes não caminham no mesmo ritmo de aprendizado dentro da sala de aula.
Somando-se a esses relatos as condições de trabalho que muitas vezes estão repletas de precarização estrutural e à remuneração insuficiente, temos um quadro de esgotamento profissional e emocional dos trabalhadores capturados por essa pesquisa, que mesmo sendo local, reflete e denuncia a situação de tantas outras escolas Mato Grosso afora.
Os professores entrevistados reconhecem a necessidade de estarem bem emocionalmente para lidar com a diversidade dos estudantes; reconhecem em seus relatos que para desempenhar um bom trabalho a saúde mental é fundamental e apontam que são gente que trabalha com gente e precisam estar bem física e emocionalmente. Os relatos retratam o papel central da saúde mental no desempenho da função docente.
A pesquisa aponta a impossibilidade de desvincular a dimensão do envolvimento emocional da atuação docente. E a dimensão desse envolvimento está atrelada ao quantitativo mínimo de 30 estudantes por turma, o que torna o trabalho docente desgastante emocionalmente.
A pesquisadora conclui que a saúde mental dos docentes está comprometida por diversos fatores, e que há necessidade de ações para o enfrentamento dessa condição. E aponta para a urgência da criação de políticas públicas focadas na saúde mental docente, suporte psicológico contínuo, melhoria nas condições de trabalho e valorização real do trabalhador. Essas ações podem potencializar o prazer de ensinar que já está presente nos professores, podem ajudar a transformar a escola em um espaço mais saudável que possa motivar quem ali está diariamente (Trevisan, 2024, p.9).
Quando retiramos o olhar do professor dos anos iniciais e olhamos para o professor do ensino superior no Estado de Mato Grosso, Baggio et al fizeram uma análise da condição desses trabalhadores durante a pandemia da COVID-19. Foram entrevistados via questionário virtual 607 professores de instituições federal e estadual. Desse total, 64,09% apresentou sintomas de estresse e 35,91% relatou ter recebido diagnóstico de adoecimento mental, o que superou os demais tipos de adoecimento.
Os pesquisadores destacaram que a maioria dos participantes da pesquisa apresentava sintoma de transtornos mentais como: ansiedade (83,20%), mania (70,53%), depressão (61,45%), sintomas somáticos (61,12%), raiva (57,66%), uso de substância (54,53%) e distúrbio do sono (50,58%). A partir desse levantamento de dados, os pesquisadores concluem que há um perfil preocupante de saúde mental entre os professores universitários do Estado de Mato Grosso (Baggio et al, 2024, p.13). E apontam para a necessidade de desenvolvimento de estratégias que auxiliem direta e indiretamente a promoção da saúde mental dos professores universitários, investigações que aprofundem os fatores que reforçam o sofrimento mental e que possam indicar a relação entre sofrimento mental e trabalho universitário. O desempenho docente está atrelado à qualidade de vida.
5 - Em contraponto à lógica performática, propõe-se uma aproximação com a filosofia do Bem Viver como horizonte de ressignificação da prática educativa.
Propomos um deslocamento filosófico. O Bem Viver, presente em cosmologias dos povos originários latino-americanos, não compreende a vida como uma corrida por metas, mas como uma relação equilibrada com a coletividade, com a natureza e com o tempo. Em Krenak (2019), por exemplo, a existência é vista como um percurso de sentido, e não como uma linha de produtividade.
Na educação, adotar o Bem Viver como referencial significa recuperar a centralidade do cuidado, da escuta e da lentidão. Significa reconhecer o docente como um ser de cultura, e não um executor de tarefas. Essa perspectiva não é uma idealização romântica, mas uma urgência política e pedagógica diante do esgotamento contemporâneo.
Vivemos em uma era marcada pelo excesso: de informação, de tarefas, de exigências e de performances, que encontra seu lastro também no ambiente escolar. O professor contemporâneo, cada vez mais imerso em uma lógica produtivista, encontra-se exaurido. A filosofia de Byung-Chul Han descreve esse fenômeno como o da “sociedade do desempenho,” em que o sujeito deixa de ser explorado por outrem e passa a explorar a si mesmo – num ciclo de auto violência e adoecimento. Existe uma meta coletiva e outra individual a ser alcançada, existe a possibilidade de uma premiação por desempenho atrelada a essas metas, o professor passa a se violentar diariamente para alcançar a premiação.
6 – A urgência de repensar a experiência escolar e a possibilidade do bem viver
Os dados empíricos coletados somam-se à análise filosófica para indicar que o modelo educacional hegemônico adoece seus agentes. Byung-Chul Han oferece uma crítica potente à subjetivação neoliberal, mas é no Bem Viver que encontramos uma possibilidade de reconstrução de sentidos.
A saúde mental docente não pode mais ser negligenciada. Urge inventar uma nova filosofia da escola, que supere a lógica da performatividade e abrace o cuidado como centro da prática educativa. Que seja uma escola onde o bem viver seja possível também para quem ensina.
Em suas “Ideias para adiar o fim do mundo,” o pensador indígena Kranak nos desafia a pensar o que institucionalizamos chamar de humanidade: seres arrancados e afastados da terra, da floresta e do campo; realocados em periferias que se transformam em trabalhadores buscando sobrevivência ao longo da vida. Desconectados de sua ancestralidade e incapazes de imaginar outras formas de existência. Ele afirma que o que chamamos sustentabilidade é um mito. E chama a atenção para a necessidade do reconhecimento de que tudo está conectado à natureza. Essas suas palavras foram proferidas em uma Universidade Portuguesa na tentativa de convencer os ouvintes da necessidade de retornar à leitura dos elementos da natureza: ler as montanhas e questionar se o dia será para corrida, dança, festa ou silêncio e tranquilidade. A natureza sempre falou com os Krenak, e Ailton sempre escutou a natureza (Krenak, 2019, p.9-20).
Krenak nos ensina ideias para adiar nosso adoecimento mental na educação. Que modelo de existência estamos chamando de humanizado na educação estadual de Mato Grosso? Um modelo que não sabe ler os sinais da natureza humana docente que grita em números alarmantes de afastamentos, não pode ser sustentável a longo prazo. Para além das constatações e dos diagnósticos, urge pensar em políticas públicas que tornem o trabalho docente saudável a curto e longo prazo.
O pensador indígena Davi Kopenawa em sua obra “A queda do Céu,” faz um alerta para a destruição do mundo, que vem sendo implementada por pessoas que se sentem “uma delícia do gênero humano”, seres libertos de superstições, animismos e guiados pela trindade: Estado, Mercado e Ciência. O pensador afirma que essa nova divindade é defendida diante dos povos originários em nova tentativa de catequização (Kopenawa, 2015, p.21-30).
De Kopenawa, podemos aprender a desconfiança das divindades que são apresentadas como salvadoras da educação estadual: empresas que oferecem materiais e plataformas milagrosas e aferem os resultados da implementação dos mesmos, castigando os trabalhadores da educação em seus relatórios quando as metas esperadas não são alcançadas. Não podemos nos deixar catequizar por pensamentos mágicos na educação. Nem podemos aceitar a transformação da educação estadual em mercadoria de disputa de empresas que pretendem negociar com o Estado. Nossas vidas profissionais estão em jogo.
A pensadora indígena Potiguara ao tratar da violência sistemática sofrida pela população indígena no Brasil, escreve como o suicídio foi utilizado tantas vezes como forma de resistência, e como as comunidades ainda são marcadas por insegurança familiar, distúrbios, medo, pânico, loucura, violência interpessoal, alcoolismo, timidez e baixa autoestima diante de uma sociedade que destruíu o que havia de mais sagrado para aquelas comunidades (Potiguara, 2004, p.4).
Essa mulher indígena nos ensina a resistência enquanto educadores perante a violência que sofremos dia após dia com a implementação de planos e modelos educacionais que são elaborados de cima para baixo sem a nossa participação; deixando marcas em nossa existência: adoecimento mental, afastamento para tratamento de saúde e uma existência profissional que não é sustentável a longo prazo. Precisamos seguir buscando a construção de uma vida longa e saudável para os trabalhadores da educação via políticas públicas efetivas que tenham em seu horizonte a possibilidade do bem viver docente.
Divina Mendes Chagas - Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso (PPG-FIL-UFMT) e professora de Filosofia da Secretaria Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC-MT).
divinamchagas@gmail.com
Referências
BAGGIO, É.; ESPINOSA, M. M.; NASCIMENTO, V. F. do et al. Perfil de saúde mental dos professores universitários de instituições públicas mato-grossenses durante a pandemia da COVID-19. Revista Ciência et Praxis, 2024.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global, 2004.
RAMOS, K. S. C. Saúde mental do professor e a necessidade de estratégias por meio da formação continuada. CONEDU, 2024.
RIECHELMANN, Roseli. Educadores de MT cobram políticas de saúde preventivas diante do aumento do adoecimento profissional. Sindicato defende a bandeira pela implementação de programas de saúde para os trabalhadores da educação. Disponível em: https://sintep.org.br/sintep/Utilidades/view_noticia/educadores-de-mt-cobram-politicas-de-saude-preventivas-diante-do-aumento-do-adoecimento-profissional/i:4218. Publicado em: 04 jul. 2025. Acesso em: 06 ago. 2025.
SILVA, W. M. da et al. Fatores que impactam a saúde mental e emocional dos professores e estratégias de enfrentamento: estudo de caso em Mato Grosso. RECIMA21, 2024.
TREVISAN, Juliana C. O trabalho docente e a saúde mental dos professores do ensino fundamental. Revista REPS (UNEMAT), 2024.