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PARA VOCÊ QUE ME ENXERGA E NÃO ME VÊ

Publicado: 29/05/2023 15:02

É impossível pensar nos problemas vivenciados diariamente nas unidades escolares sem considerar os funcionários que nelas trabalham, sonham e sofrem as agruras e prazeres experimentados por este segmento. Os funcionários são a base estrutural do ambiente escolar. São eles que preparam o ambiente onde serão desenvolvidas todas as atividades da escola. No entanto, ainda são vistos, por alguns, como subalternos, aqueles que apenas cozinham, limpam, atendem ou vigiam.

Todos os funcionários de escola sabem o trabalho que têm que fazer, a hora de fazê-lo, sem necessidade de supervisão. No entanto, muito pouco mudou em termos de reconhecimento da importância desses que também são educadores. Ainda convivemos com a quase mesma situação de não reconhecimento desses valorosos trabalhadores. Ainda convivemos com a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual e a segregação no ambiente escolar. Continuamos nos fundos das escolas ou pelos corredores, pois nas escolas existem salas para o diretor, coordenador e professor, mas onde está a sala dos funcionários para os poucos minutos de folga? Continuamos nos fundos das escolas ou pelos corredores.

Essa situação tem levado alguns profissionais da escola a pensar que os funcionários têm pouco trabalho e até mesmo a considerá-los preguiçosos. Já ninguém pensa que o professor é desocupado no horário do intervalo, nas aulas vagas ou no horário da hora atividade. Nos momentos de formação nas escolas, existem poucos espaços (em algumas escolas, inexistentes) para que esses profissionais exponham seus conhecimentos. Na maioria das vezes, são apenas ouvintes dos debates.

Outro aspecto enfrentado é a resistência em serem considerados profissionais da educação, como parte da mesma carreira, com os mesmos direitos e, principalmente, com o mesmo salário de acordo com sua formação. Para alguns gestores governamentais e escolares, é inadmissível considerar que um funcionário tenha a mesma capacidade intelectual, trazendo como justificativa a natureza do trabalho. Embutida nessa concepção, está a negação do saber culto, da práxis e a negação da valorização salarial.

A escola continua com a mesma estrutura organizacional do século 19, e até piorou, pois no cenário atual, em que foi implantada a gestão empresarial em detrimento da gestão democrática, os gestores tentam impor processos de avaliação por produtividade, metas descoladas da realidade das escolas e de suas comunidades. A escola tem se tornado um espaço de opressão. Para esses gestores, o relacionamento humano realizado por esses profissionais não está em primeiro plano. O que importa é cumprir as ordens superiores. Isso tem trazido muitos prejuízos, clima de animosidade, desmotivação e desrespeito ao lugar de fala. Para alguns gestores, esses funcionários podem ser substituídos por empresas que precarizam ainda mais o trabalho.

Outro aspecto verificado na rede pública de educação é a exaustão emocional causada pelo tratamento recebido, o qual impacta a saúde mental desses profissionais, assim como as doenças físicas decorrentes dos esforços realizados diariamente. O sentimento desses profissionais é que gostariam de ser considerados de fato como parte ativa das unidades escolares, com reconhecimento pelos trabalhos realizados.

O que desejamos e lutamos para alterar é a realidade acima relatada: a mudança de percepção de que os funcionários não são meros objetos de trabalho e cumpridores de normas; a valorização social e profissional; e melhorias nas condições de trabalho. Os funcionários de escolas têm sonhos e capacidade de fazer do trabalho um princípio educativo, um espaço de construção criativo e transformador.

Assim como disse Chico Buarque na música "A Lei do Circo", um dia a situação irá mudar. É fundamental reconhecer que os funcionários de escola são peças-chave no desenvolvimento educacional e no funcionamento das unidades escolares. Eles desempenham um papel fundamental no cuidado, na organização, na manutenção e no apoio aos processos educativos.

Para que essa mudança ocorra, é necessário um esforço coletivo, envolvendo gestores, educadores, comunidade escolar e sociedade em geral. É preciso romper com estereótipos e preconceitos, valorizando o trabalho de todos os profissionais envolvidos na educação, independentemente da função desempenhada.

Além disso, é necessário promover espaços de diálogo e formação para os funcionários de escola, permitindo que eles compartilhem suas experiências, conhecimentos e contribuições. Essa valorização se estende também à questão salarial, garantindo que os funcionários recebam uma remuneração justa e condizente com sua formação e responsabilidades.

A gestão escolar deve ser pautada pela democracia e pelo respeito, considerando as diferentes vozes e perspectivas presentes na comunidade escolar. É importante fortalecer uma cultura de reconhecimento e valorização de todos os profissionais, criando um ambiente de trabalho saudável e motivador.

Os funcionários de escola são educadores em sua essência. Eles contribuem para a formação integral dos estudantes, não apenas por meio das tarefas técnicas que realizam, mas também pelo exemplo, pelo acolhimento, pela escuta atenta e pelo apoio emocional que oferecem.

Portanto, é hora de enxergar além das funções atribuídas aos funcionários de escola e reconhecer sua importância como agentes fundamentais na construção de um ambiente educacional inclusivo, acolhedor e de qualidade. Somente por meio desse reconhecimento e valorização é que poderemos efetivamente promover uma educação que respeite e valorize todos os seus atores, proporcionando um desenvolvimento pleno e igualitário para os estudantes. A transformação é necessária e possível, e depende do comprometimento de todos nós em reconhecer e valorizar aqueles que nos enxergam, mesmo quando não os vemos.


Maria Aparecida Arruda Cortez

Secretária Adjunta de Funcionários do Sintep-MT
Funcionária de escola aposentada