Artigo

Novas formas de trabalhar, novos modos de adoecer

Publicado: 13/03/2023 10:49

Atenta ao desmonte da seguridade social e o trabalho decente que busca entender os novos contextos de trabalho na educação, a CNTE buscou a aplicação de uma pesquisa junto aos filiados para conhecer os impactos do trabalho remoto, exacerbados durante a pandemia da Covid-19, bem como os fatores ideológicos dos discursos ligados ao determinismo e neutralidade das tecnologias na saúde emocional dos trabalhadores em educação.

Na área da educação ficaram explícitas as desigualdades econômicas. As mulheres, que representaram 72% das participantes no estudo, foram as mais afetadas pelos impactos econômicos, sociais e sanitários da pandemia. Como as principais cuidadoras das famílias, cultural e socialmente, vistas como as principais responsáveis pelos cuidados de crianças, pessoas idosas, enfermas, são elas a grande maioria da mão-de-obra empregada nos serviços de cuidado e saúde.

Perfil dos participantes

Participaram da entrevista 679 trabalhadores em educação. A distribuição de filiados da CNTE indica os seguintes percentuais aproximados: Norte: 7,5%; Nordeste: 29,5%; Centro Oeste: 16%; Sudeste: 29%; Sul: 18%. Na pesquisa, a distribuição aproximada foi: Norte: 6,3%; Nordeste: 27%; Centro Oeste: 25,2%; Sudeste: 24,6%; Sul: 16,9%.
Dos participantes, 71,7% mulheres, 27,9% homens, 0,3% Queer/Não-Binário e 0,1% preferiram não responder. A idade média foi de 47 anos. O tempo médio de serviço na Secretaria de Educação foi de 16 anos, na escola 10 anos. O tempo médio de efetiva regência foi de 15 anos; 88% dos respondentes são professores e 78% desses atuam em sala de aula.

Nível de precaução e conhecimento acerca da pandemia Covid 19

Foi composta por três questões. Na primeira, eram apresentadas afirmativas relacionadas ao grau de preocupação de conhecimento sobre a pandemia da Covid 19. Mais de 90% dos respondentes sentiram medo, preocupação com a possibilidade de contrair Covid 19. Mais de 80% ficaram inseguros com a atuação dos Governos Estaduais/Distrital e Federal.

A segunda questão estava relacionada a vacinação e histórico de contaminação. 96% dos participantes já haviam recebido duas ou uma dose, a depender da vacina. 28% já tiveram um familiar diagnosticado ou tiveram sintomas da doença.

A terceira questão referia-se à preocupação com o retorno presencial às aulas.84% sentiam- se preocupados em ser contaminados pela Covid 19 e transmitir a doença a pessoas próximas. Os principais itens que causavam essa preocupação eram: ausência de controle sobre a desinfecção dos ambientes, impossibilidade de manter o distanciamento de 1,5m nas salas de aula e ausência de dispenser de álcool em gel 70% e má qualidade das poucas máscaras oferecidas.

Questões ambientais, tecnológicas e suporte para realização do trabalho

61% consideraram o espaço físico inadequado para realização de atividades. 86% dividiram o espaço de trabalho com mais pessoas e eram constantemente interrompidos. 73% trabalharam mais horas remotamente do que de forma presencial. 53% não possuíam equipamentos suficientes para a execução das tarefas e 80% não tiveram suporte técnico da Secretaria para solucionar eventuais dúvidas tecnológicas. 73% não possuíam ou tinham recursos tecnológicos inadequados. Os mais reclamados foram: impressora, webcam, tablet, microfone, aplicativo para captura e compartilhamento de imagens e recursos de videoconferência.

Danos físicos, psicológicos e sociais

O instrumento foi finalizado com a Escala de Danos Relacionados ao Trabalho (EDT), validada por Facas (2021). A Escala é composta por 23 itens que versam sobre danos físicos, psicológicos e sociais decorrentes do trabalho. Os danos psicológicos e físicos foram considerados graves. Mais de 150 respondentes já estavam em situação de adoecimento. Os danos psicológicos mais citados foram: tristeza, sensação de vazio e mau-humor. Os danos físicos eram: alterações no sono, dores no corpo e nas costas. Os danos sociais apareceram como sinal de alerta, devido ao isolamento. Os mais frequentes foram: vontade de ficar sozinho, impaciência com as pessoas em geral e conflitos nas relações familiares.

Mens Sana

As novas formas de trabalhar impostas pela pandemia mundial da Covid 19 exacerbaram um cenário de crise econômica, desemprego e desregulamentação progressiva das relações de trabalho. No Brasil, ressaltaram-se as desigualdades sociais e dificuldades para a representação da classe trabalhadora e continuidade da luta sindical.
No que diz respeito à Educação, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sabemos que a crise causada pela Covid-19 resultou no encerramento das aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (Unesco, 2020).

As instituições escolares têm sido desestabilizadas, como transmissão do saber ou como tradicional instância de controle social. O professor perdeu a legitimidade e autoridade depreciando sua significância social e existencial. O conhecimento e independência para elaborar aulas, a partir do processo investigativo e criativo vem sendo substituído por instrutores com competência técnica.

Retirado do espaço de discussão, mais regras burocráticas são criadas. Aqueles que se manifestam são culpabilizados por protestar, resistir e se opor. Nesses casos, os gestores atuam para neutralizar as falas, pois não cabe na lógica da organização.

Assim, várias patologias brotam no corpo ou em ato: abuso de drogas psiquiátricas, sentido de desvalorização de si, dissociações psíquicas, ruptura das redes de solidariedade, culpa, vergonha, fechamento sobre si.

Essa pesquisa não exaure todas as possibilidades de interpretar a realidade, mas fornece um guia importante.

Criar espaços de fala nos coletivos de trabalho vem sendo uma experiência exitosa nas reuniões de coordenação das escolas, que o Sindicato dos Professores do DF – Sinpro – realiza desde 2020. Por meio da Clínica do Trabalho abre-se a possibilidade para uma análise socio psíquica do trabalho, tendo como ponto de partida a organização para compreender as vivências subjetivas, dentre elas o prazer, o sofrimento, o processo saúde-adoecimento, os mecanismos de defesa e de mediação do sofrimento. (Mendes & Araujo 2012).

Colocar as palavras e dar corpo, voz, delinear proporcionando a possibilidade de ocorrer a simbolização e elaboração psíquica é a abertura para diferentes formas de advir, de escapar das teias do poder, de resistir a teoria dos iguais.

Nesse sentido, os sindicatos continuam como força social importante, com capacidade estratégica para elaborar, implementar e difundir uma agenda própria da categoria, expressando o pensamento, os interesses e os objetivos dos seus membros, incluindo não só as reinvindicações, mas também seus projetos e o modo como encaram as relações sociais.

Luciane Kozicz Reis Araujo - Mestre em Saúde Pública na ENSP/Fiocruz Brasília (2017). Especialista em “Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupos” pelo Instituto de Pesquisa em Psicanálise e Psicopatologia de Brasília – IPePP-DF. Graduada em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB – 2008)). Pesquisadora do Cnpq e pesquisadora convidada do Núcleo de Trabalho, Psicanálise e Crítica Social da Universidade de Brasília -UnB

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