Intolerância religiosa em MT: entre as paredes de casa e os bancos da escola
Sintep-MT faz a defesa da escola laica, "porque é isso que a Constituição Federal determina", afirma dirigente
Publicado: 12/11/2025 11:37 | Última modificação: 12/11/2025 11:37
Escrito por: Fátima Lessa/ eh fonte
Uma adolescente quase foi queimada viva por colegas sob a justificativa de que “bruxas têm que ser queimadas”. O ataque, denunciado pela mãe no Programa do Pop, da TV Cidade Verde, em 6 de agosto de 2025, expôs de forma brutal um problema que se repete nas escolas de Mato Grosso: a intolerância religiosa.
O caso envolvia uma estudante de 13 anos, da Escola Estadual Dunga Rodrigues, em Várzea Grande, e revela um fenômeno que começa dentro de casa, atravessa os corredores da escola e se espalha pelas redes sociais. Em comum, o preconceito contra religiões de matriz africana, alvo frequente de ofensas, exclusão e violência.
Quando a denúncia se torna visível
Segundo a mãe, a filha é vítima de bullying e intolerância religiosa há pelo menos três anos. As agressões começaram em 2023, quando colegas passaram a chamá-la de “bruxa” e “macumbeira”, além de quebrar um colar com amuleto que ela carregava na mochila.
A situação se agravou em 2024, quando uma colega, acompanhada da irmã e de outras adolescentes, teria emboscado a vítima e tentado atear fogo nela. A ação foi interrompida por um vizinho que presenciou a cena.
O episódio mostra que a intolerância religiosa nas escolas vai além de comentários maldosos. É violência física e simbólica.
Silêncio e subnotificação
A classificação incorreta nos boletins de ocorrência atrasa investigações e dificulta a punição dos agressores. Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Civil, a maioria dos boletins de ocorrência são registrados como “dano” ou “vias de fato”, sem que o viés religioso seja identificado. Envolvem injúria e ameaças de depredação de templos, especialmente nas redes sociais.
Aqui em Mato Grosso, de acordo com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), entre as religiões mais atingidas estão as de matriz africana – como umbanda e candomblé.
Em muitos casos, a violência começa em casa. “Ou você escolhe a mim ou escolhe essa religião’”, contou uma mulher de terreiro, moradora de Cuiabá, ameaçada pelo marido. Para a Polícia Civil, é comum que companheiros e familiares tentem impedir mulheres de exercer sua fé, tornando o lar o primeiro território da intolerância.
MP alerta para registros subnotificados
De acordo com o procurador José Antônio Borges Pereira, titular da Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos, Minorias, Segurança Alimentar e Estado Laico, os dados do Centro de Articulação da População Marginalizada (CEAP) e do Observatório das Liberdades Religiosas (OLR) indicam que, em Mato Grosso, houve um caso de intolerância registrado em 2020 e cinco em 2021.
Borges afirma que os preconceitos religiosos muitas vezes se manifestam de forma sutil ou disfarçada, como na recusa de candidatos a vagas de emprego ou no descumprimento do artigo 33 da LDB, que determina ensino religioso não confessional e sem proselitismo. Casos mais graves envolvem ataques a outras tradições, destruição de objetos religiosos e alfaias.
Entre as atribuições da Procuradoria está a defesa do Estado laico – uma das poucas instâncias que tratam explicitamente do tema.
“As religiões de matriz africana sofrem ataques severos, incluindo a destruição de terreiros de candomblé, o que já levou à condenação por danos coletivos contra líderes radicais”, ressalta o procurador.
Casos crescem nas escolas
Segundo a Seduc/MT, por meio de sua assessoria de imprensa, em 2022 cerca de 34,5% das escolas estaduais (214 unidades) relataram casos de racismo ou intolerância religiosa. Em 2023 o índice caiu para 29,5% (170 escolas), mas voltou a subir em 2024, alcançando 39,8% (258 unidades).
A secretaria atua por meio da Política Antirracista e da Cultura de Paz, com formações para professores e materiais que abordam história e cultura afro-brasileira.
Sindicato cobra medidas
A secretária de Política Educacional do Sintep-MT, professora Guelda Cristina de Oliveira Andrade, afirmou que denúncias formalizadas não chegam ao sindicato.
Ela lembra que a escola deveria ser laica, “porque é isso que a Constituição Federal determina, mas não há esse respeito dentro do espaço escolar”.
Segundo Guelda, o respeito à diversidade religiosa deve estar no projeto político-pedagógico da escola. Defensora do diálogo, a professora orienta que, em casos de intolerância, “os pais procurem primeiro a direção; se o problema persistir, devem registrar boletim de ocorrência”.
A professora cita a Lei nº 14.818/2023, que criminaliza o bullying, e defende ações pedagógicas contínuas. “A escola precisa se posicionar e incluir o respeito à diversidade em seu projeto político pedagógico, com palestras e rodas de conversa desde os primeiros dias de aula”, reforça.
Para ela, há uma falha na formação inicial dos educadores. “É fundamental que estado e municípios invistam em formação continuada, para que os profissionais estejam preparados para lidar com a diversidade que chega todos os dias às escolas”, conclui.
Um desafio social
Entre a intimidade doméstica e a convivência escolar, a intolerância religiosa em Mato Grosso revela-se um desafio social profundo: abala vidas, fragiliza crianças, silencia mulheres e exige respostas firmes das instituições.




