Este artigo integra uma pesquisa de mestrado em andamento na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), sob a orientação da Professora Dra. Candida Soares da Costa, que se propõe abordar a atuação dos Técnicos Administrativos Educacionais (TAEs) do estado de Mato Grosso a partir da secretaria escolar.
A pesquisa discute a percepção dos Técnicos Administrativos Educacionais como profissionais atuantes e necessários para a condução do processo educativo e, consequentemente, a manutenção das políticas públicas educacionais propostas no estado de Mato Grosso, e se estes profissionais são incluídos no processo de formulação e execução destas políticas.
Os TAES são legalmente reconhecidos como profissionais da educação pela Lei nº 12.014/2009 e ancorados pela lei nº LC 050/98, ao definir quem são os profissionais da educação, viabilizando a constituição de sua carreira. Essa categoria enfrenta desafios para o fortalecimento de sua carreira, como falta de formação continuada e profissionalização tardia, mesmo com o Programa de Formação para os Profissionais da Educação Profuncionário, que é um programa do Ministério da Educação (MEC), cujo o objetivo é profissionalização por meio de formação técnica e pedagógica para os funcionários de escola, possibilitando a esses profissionais reconhecimento e valorização. Ainda temos, no estado de Mato Grosso, profissionais que ainda não foram profissionalizados.
Assim, vem lutando intensamente por valorização profissional. Valorizar esse profissional é valorizar todo o processo educativo, Santos & Pintor (2021), compreendendo que a escola é um coletivo e que todos que dela fazem parte tem direito a formação e merece ser valorizado, ter acesso a profissionalização, reconhecimento de sua identidade, ser reconhecido enquanto profissional da educação. Todo trabalho desenvolvido dentro das escolas pelos profissionais da educação contribui para que tenhamos uma educação de qualidade.
Na Constituição Federal Art. 205. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Cordova (1994, p.43) salienta que,
A educação não é uma técnica, como a política não e uma técnica, como planejamento não é uma técnica, como não e então é preciso dizer adeus às ilusões tecnicistas, tecnocráticas e burocráticas, nomes diferentes do mesmo, que, aqui, significa ter o fim da atividade já completamente determinado no espírito do agente, tendo eliminado, no desejo ou de fato, do espírito dos demais participantes todo vestígio ou toda possibilidade de um pensar e de um querer próprios.
Pensar na educação e em como esta vem sendo conduzida no estado de Mato Grosso reflete a nossa preocupação, enquanto profissionais da educação, sobre quem são os sujeitos que tem direito a educação e, por meio de sua atuação profissional, contribuem para a melhoria do processo educativo.
Os profissionais da educação, os Técnicos Administrativos Educacionais (TAEs), enfrentam desafios significativos diante das políticas educacionais vigentes em Mato Grosso. Em 2022, o estado implantou o Programa Educação 10 anos por meio do Decreto nº 1497/2022, com as 10 políticas educacionais com o intuito de transformar a educação no estado de Mato grosso até 2032, integrando ensino por apostilas e plataformas digitais, implantando na rede estadual o Sistema Estruturado de Ensino.
Esta iniciativa do Estado de Mato Grosso sinaliza sua intenção em tratar a educação estadual como simples mercadoria, ancorada por uma lógica neoliberal e produtivista, visto que as ações de tal programa incidem sobre acúmulo de trabalho para os profissionais da educação, promoção de disputas entre a categoria e arrocho salarial.
Esse programa, que em sua constituição o estado de Mato Grosso apresenta como tendo 10 políticas educacionais, carece de reflexão e revisão. Enquanto um rol de políticas educacionais, fica evidente que tal programa apresenta um conjunto de ações propostas a serem desenvolvidas apresentando intenções evidentes, que, de fato, não se constituem uma política educacional e, sim, um conjunto de ações a serem cumpridas ao longo de 10 anos.
Toda política pública possui uma intencionalidade; para compreendê-la, é preciso conhecer a identidade de quem a formulou e o contexto – político, social, econômico e histórico – em que o fez. Por isso, deve-se sempre considerar que, em matéria de política, por mais que determinadas ações possam parecer gratuitas e/ou desinteressadas, estas, ao contrário, sempre se conectam aos interesses de seus formuladores (Santos 2016, p. 5).
Uma política educacional apresenta uma série de características para além da intencionalidade. Esta deve considerar o contexto em que está inserida e a quem será destinada; precisa ter objetivos, metas, prazos bem definidos, além de ser elaborado em conjunto com os profissionais da educação.
Embora este plano enfatize a valorização profissional, essa proposta destoa das perspectivas dos TAEs, que veem valorização como reconhecimento efetivo, não apenas gratificação financeira por resultado (GR). Esse tipo de gratificação, sem dúvidas, é bem-vinda, porém, faz-se necessário que os critérios para o alcance dessa bonificação sejam revistos, que estes não gerem disputas, mas possibilite interação e desenvolvimento de trabalho coletivo em prol do desenvolvimento de uma educação de qualidade. E que, na prática, alcance todos os profissionais da educação. De acordo com Moraes (2020, p.25),
[...] os funcionários das escolas sempre desempenharam um papel importantíssimo, porém desvalorizado pelo poder público e sem reconhecimento legal e social. Como parte de uma sociedade capitalista que se baseia na divisão do trabalho entre o manual e o intelectual, a escola também se divide entre os que pensam e os que executam [...].
Por isso, essa reflexão deve ser crítica, afastando-se de visões limitadas. Outro ponto que destacamos é a Gratificação por Resultado (GR), que, da forma como está posta, está longe de promover a tão almejada valorização profissional; promove uma divisão da categoria dos profissionais da educação, beneficiando poucos e agravando a sobrecarga de trabalho. Outro agravante que destacamos é a Portaria nº1138GS/SEDUC/MT que reduziu o quantitativo de TAEs por escola, situação que se agravou com o redimensionamento proposto pelo decreto nº 723/2020, propondo a municipalização do ensino de 1º a 5º ano na rede estadual de ensino.
Compreende-se que esse contexto impõe ao estado de Mato Grosso importantes desafios: a inclusão destes profissionais na formulação das políticas educacionais no estado de Mato grosso; a valorização profissional com vistas a reconhecer as potencialidades destes profissionais; formação continuada que dialogue com o campo de atuação destes profissionais a partir da secretaria escolar; e a criação de política educacionais com a colaboração dos profissionais da educação. O que fica evidente é o descaso institucional com a categoria dos profissionais da educação que vem tendo perdas significativas de direitos conquistadas por meio de lutas e mobilizações.
Estas, sem dúvidas, são reflexões que necessitam de debates tanto da categoria quanto em nível institucional. A superação desses desafios, incide fortemente na qualidade do Trabalho desenvolvido por estes profissionais e, consequentemente, na qualidade da efetivação das políticas educacionais no estado de Mato Grosso.
Referências
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