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Cartas aos Brasileiros e Brasileiras: 45 anos na Defesa da Democracia

Publicado: 12/08/2022 11:46

São 45 anos a nos separar, no tempo, entre a Carta aos Brasileiros contestando a Ditadura Militar e exigindo o Estado de Direito Já e a nova Carta aos Brasileiros e Brasileiras que já chega perto de 1 milhão de assinaturas e que nos conclama à defesa do Estado Democrático de Direito.

Separados no tempo, mas unidos na luta, estão brasileiras e brasileiros imbuídos de muita coragem. Atentos, firmes e fortes na defesa da Democracia.

Se a geração de 1977 não teve medo da tortura dos calabouços do DOI-CODI, não seremos nós que temeremos os ataques ou notícias mentirosas postadas na internet.

Sim! Na fronteira oeste de nosso grande Brasil, tivemos guerrilha e hoje temos resistência. Do Araguaia ao Pantanal, das margens do Rio Vermelho às terras indígenas da Serra do Roncador, tem o mato-grossense o couro grosso assim como o jacaré, o canto resiliente do quero-quero, o voo longo do tuiuiú e a ternura do tiê-sangue. Vamos à luta: das salas às ruas, das aldeias às porteiras, do campo à cidade, dos escritórios aos atos, e do trabalho aos sindicatos.

É hoje, 11 de agosto, no Dia do Advogado e do Estudante: mais do que parabéns, damos graças pelo presente e pelo futuro mirando o exemplo da geração de 1977. É agora, com toda a legitimidade da sociedade civil organizada que denunciamos em alto e bom som a farsa que se intenta repetir na sanha golpista e autoritária de uma Ditadura Militar.

Ditadura que em abril de 1977 fechava o Congresso e baixava um pacote de medidas, entre as quais a chamada “Constituinte do Alvorada” que tinha um terço dos senadores ‘biônicos’ por serem indicados pelo presidente. Esse foi mais um ataque à legitimidade do processo eleitoral de escolha dos representantes políticos pelo voto, tal como hoje se perpetua quando usam e abusam de mentiras e negacionismo contra as urnas eletrônicas e o próprio Poder Judiciário brasileiro. Como, por exemplo, o fez o agora ex-membro expulso do grupo de fiscalização do TSE, coronel Ricardo Sant'Anna indicado pelo Ministério da Defesa.

Mas em 1977 se ouviu nas ruas o grito dos estudantes e da classe trabalhadora pela libertação dos presos políticos, o restabelecimento das liberdades democráticas, e em outra carta aberta se escreveu: “Hoje, consente quem cala”.

A inflação corroía o salário. Em julho de 1977, a reposição salarial foi o que levou a classe trabalhadora de volta à vida política nacional. O Sindicato dos Metalúrgicos, mobilizado pelo presidente Lula, pedia a RGA de 34%. Em agosto daquele ano, acontece a distribuição de 80 mil panfletos convocando uma assembleia geral para a noite de 2 de setembro, em que cerca de 5 mil metalúrgicos lotaram o auditório do sindicato para decidirem sobre a greve.

O ano de 1977 terminaria somente na invasão da PUC-SP com mais de 1.700 estudantes detidos e com 214 denúncias formais de tortura de presos políticos.

Assim como em todo o período da Ditadura Militar, um dos setores sociais mais torturados foi o meio sindical, pelo simples fato de se inspirar num pensamento político contrário ao dos militares. Torturados, entre tantos, por Carlos Brilhante Ustra, nome e sobrenome anunciado pelo então deputado Jair Bolsonaro no fatídico golpe contra a presidente Dilma.

Mas é em 8 de agosto de 1977 que houve a leitura, pelo professor Goffredo Telles Júnior, da Carta aos Brasileiros nas arcadas do Largo de São Francisco na Universidade de São Paulo, epicentro da mobilização estudantil paulista e da classe dos juristas. Documento histórico, em que o passado e o presente se mostram juntos em palavras de indignação, mas, sobretudo, de esperança ao povo, pelo povo e com o povo brasileiro.

Naquele momento, entre tantos outros de luta, a Carta de 77 brada o repúdio ao denominado senso leviano da ordem, em que alguns se supunham (como ainda vemos nos dias atuais se suporem) imbuídos da ciência do bem e do mal, ditos conhecedores predestinados do que deve e do que não deve ser feito, proprietários absolutos da verdade, ditadores soberanos do comportamento humano. Tal como faz Bolsonaro quando afirma que as pautas LGBTQIA+ constituem uma forma de "destruir a família", ou a sua esposa, Michelle Bolsonaro ao dizer, que o Palácio do Planalto já foi um lugar “consagrado aos demônios”. Não é outra coisa tal pensamento, é o fascismo agora chamado de bolsonarismo.

A denúncia de 1977 reverbera em nossas consciências, pois foi feita em face do Estado brasileiro cujo governo não tolerava críticas e não permitia a contestação. Governo obcecado por sua própria segurança, permanentemente preocupado com sua sobrevivência e continuidade. Não é à toa que assim também pensa o atual governo ao decretar 100 anos de sigilo dos dados dos crachás de acesso de Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro ao Palácio do Planalto ou no processo administrativo contra Eduardo Pazuello enquanto militar por participar de um ato político em favor do presidente.

Está lá inscrito nos Anais da História Brasileira o sempre repúdio ao Estado opressor, promotor da violência contra Direitos Subjetivos. Opressão essa comandada por um chefe, o qual tem a Sociedade Civil como um confuso conglomerado de ineptos, sem discernimento e sem critério, aventureiros e aproveitadores, incapazes para a vida pública, destituídos de senso moral e de idealismo cívico.

Mas a esperança existe, escrita em 1977 assim como 2022, e está no meio de nós!

A defesa ontem, hoje e sempre é de um projeto de desenvolvimento nacional, pelo qual quem deve propulsionar o desenvolvimento é o povo. A Carta de 1977 é uma ode à Nação Brasileira a ser sempre constituída com organização popular, com sindicatos autônomos, com centros de debate, com partidos autênticos, e com veículos de livre informação. É uma Nação em que se acham abertos os amplos e francos canais de comunicação entre a Sociedade Civil e o governo.

Repitamos todos e todas, onde e quando estivermos: Estado Democrático de Direito ontem, hoje e sempre!

Democracia substanciada com serviços públicos essenciais, gratuitos e de qualidade, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Em que haja o combate sistêmico a toda forma de racismo, ao analfabetismo e, de outro lado, a busca em garantir a mobilidade e a igualdade social como prioridades do Estado.

Ditadura e tortura são coisas do passado. Ao nosso futuro de cada dia: a luta pela participação popular, também pelo voto e o devido respeito à Justiça Eleitoral e ao resultado das eleições.

Bruno Boaventura, vice-presidente do Sindicato dos Advogados de Mato Grosso