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BRASIL: CONCENTRAÇÃO PRIVADA DA PROPRIEDADE, AUTORITARISMO E EXCLUSÃO POLÍTICA E SOCIAL, NEGAÇÃO...

Publicado: 01/10/2025 11:20

BRASIL: CONCENTRAÇÃO PRIVADA DA PROPRIEDADE, AUTORITARISMO E EXCLUSÃO POLÍTICA E SOCIAL, NEGAÇÃO DE DIREITOS

O Brasil teve uma longa escravidão de quase 400 anos (1530 a 1888). Foi uma colônia de exploração, depois de povoamento, e permaneceu sendo um país exportador de matérias primas, dentro da divisão internacional do capitalismo. Uma escravidão que deixou marcas profundas na cultura, nas mentalidades, na economia, da politica, na democracia, no Estado, enfim.

Mesmo após o Brasil se tornar independente, em 1822, não houve mudanças significativas na sociedade brasileira. Apesar da independência política adquirida, o Brasil era caracterizado pelos arranjos e negociações feitas entre a elite nacional, Portugal e Inglaterra. O Brasil era monarquista e conservador.

A Constituição de 1824 estabeleceu os direitos políticos dos cidadãos e definiu quem teria o direito de votar e quem poderia ser eleito. Apenas os homens com renda mínima de 100 mil réis e maiores de 25 anos poderiam votar. As mulheres não votavam; os escravos nem eram considerados cidadãos.

Teoricamente, o Brasil, principalmente considerando-se a época, era relativamente democrático: a maioria da população adulta masculina possuía o direito de votar. Mas muitos cidadãos eram analfabetos e trabalhavam para grandes proprietários que determinavam para quem eles iriam votar. Além disso, nas cidades, muitos dos eleitores eram funcionários públicos, manipulados pelo governo.

Mas o maior obstáculo para o desenvolvimento dos direitos civis no Brasil foi a escravidão. A sociedade brasileira chegava até a negar a condição de humanidade para seus escravos. O Brasil foi o último país cristão e ocidental a abolir a escravidão. E é importante lembrar que a escravidão só foi abolida no Brasil porque o país sofreu muita pressão da Inglaterra, e porque a elite brasileira descobriu que a escravidão seria economicamente prejudicial, pois impedia a integração do país nos mercados internacionais e barrava o desenvolvimento das classes sociais e do mercado do trabalho. Ou seja, a abolição da escravidão no Brasil ocorreu devido a motivos econômicos, não humanistas.

No Brasil, arranjos políticos garantiam e preservavam privilégios de poucos. Esse sistema de troca de favores e de falta de mobilidade social dificultou a formação de uma sociedade civil organizada e atuante, que luta pelo estabelecimento de direitos comuns a todos. Além disso, durante séculos, o Estado brasileiro governou de forma repressiva, inclusive de forma violenta, para impedir o surgimento de movimentos sociais, e para impedir que se construísse no país uma sociedade civil mais bem organizada e preocupada com as causas públicas. A falta de mobilidade social da sociedade civil brasileira é consequência de uma quase constante ação política que impediu a organização da sociedade.

Nosso país vem de uma tradição anti democrática. Nossa República foi um arranjo dos dos proprietários de terras e ex proprietários de escravos, insatisfeitos com a Abolição da Escravidão, deram um golpe oligárquico e tomaram o Estado, decretando o fim do Império o inicio de uma Republica pelo alto, por cima, sem povo, sem democracia, sem participação popular, excluindo os ex escravos, as mulheres, os trabalhadores rurais e urbanos. A primeira República foi um acordo das elites econômicas e políticas dos Estados mais ricos – São Paulo e Minas Gerais – produtores de café e pecuária, daí o termo República Café com Leite.
A chegada de Getúlio Vargas ao poder em 1930, num arranjo político de Vargas com a burguesia de indústria, contra a burguesia de terras, fez importantes avanços na construção de infra estrutura para a indústria e para a urbanização
Foi apenas a partir da urbanização e da industrialização, e do surgimento de uma pequena classe operária, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que surgiram manifestações e reivindicações públicas. Foi iniciada uma luta por uma legislação trabalhista e por direitos sociais.

Mas a instabilidade política no Brasil durante os anos 1930-1964 barrou o desenvolvimento de direitos políticos. Houve uma alternância de ditaduras e de regimes mais democráticos. Durante o período ditatorial de 1937, as liberdades de expressão e de organização foram suspensas. Foi apenas com a derrubada de Getúlio Vargas, com as eleições presidenciais e legislativas e com a Constituição de 1946, que houve uma certa estabilidade quanto aos direitos civis e políticos no Brasil. Porém, a partir de 1964, devido à ditadura militar, houve um grande retrocesso: a maioria dos direitos civis e políticos foram restringidos.
A ditadura militar foi um regime antidemocrático, que impediu o exercício da cidadania. Houve censura à imprensa, uma ausência geral de liberdades e violência praticada pelo governo – torturas, desaparecimentos, assassinatos políticos. No Brasil do século XX, lutava-se por direitos que haviam sido conquistados já no século XVIII.

Em 1988, quando o Brasil readquiriu a sua democracia, acreditou-se que a cidadania havia sido alcançada. Mas o direito pleno de votar não é sinônimo de democracia. A mais recente Constituição brasileira, chamada de “Constituição cidadã”, assegura os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros e as responsabilidades do poder público. Não obstante, esses direitos não fazem parte da vida diária de uma grande parte da população brasileira.

O Brasil continua com presença do analfabetismo principalmente entre jovens e adulto, apesar da grande expansão das políticas públicas de educação nos ano 2002 a 2014, com obrigatoriedade do financiamento público inicialmente para a ensino fundamental depois para toda a educação básica – FUNDEF e depois FUNDEB, pela subnutrição, apesar da importância de programas como Renda Mínima, Bolsa Família, merenda escolar nas escolas, e elevação do salário mínimo nos anos 2002 a 2015, e por falta de saneamento, por uma precária rede pública de serviços de saúde, por falta de educação e educação  profissional, pela violência urbana, pelas injustiças no campo e pelo desemprego e subemprego acentuado.
A garantia dos direitos políticos e civis assegurados pela Constituição não resolveu os problemas históricos da cidadania no Brasil. Mas, esses direitos permitem que os problemas da sociedade brasileira sejam discutidos e resolvidos. Os direitos inerentes a todo cidadão brasileiro precisam fazer parte da vida diária de todo brasileiro. Cabe ao país como um todo mobilizar forças e trabalhar para transformar o legado de injustiças e igualdades que caracterizaram o nosso país durante séculos e que tanto prejudicaram o nosso desenvolvimento social, econômico e humano.

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DEMOCRACIA NO BRASIL

Nos anos 80, no processo de transição da ditadura para o Estado democrático de direito, os movimentos sociais e suas organizações retomaram a iniciativa política, não só de denúncia e resistência, mas de elaboração e proposição de alternativas. Os (as) trabalhadores (as) ocuparam a cena política e, como produto desses protagonismos  abriram-se os espaços de participação institucional e política na esfera pública,

Portanto, a democracia que se institucionalizou no Brasil, mesmo com todas as dificuldades, lentidão, avanços e recuos, é uma conquista política da classe trabalhadora e do povo. Contra a vontade das classes dominantes, principalmente quando estas tinham a completa hegemonia (dominância) do aparelho do Estado (Seja união, estados ou municípios).

No início dos anos 90, e por toda a década, sofremos um profundo e organizado ataque das políticas neoliberais, de privatização das políticas públicas, desmonte do poder e da política, dos orçamentos e recursos destinados aos setores mais pobres da sociedade, de Estado mínimo e mercado máximo, desregulamentação dos direitos trabalhistas, crescimento das terceirizações e das precarizações nas relações de trabalho, desemprego, abandono da saúde e educação públicas, crescimento do espaço privado, individualismo, da idéia de cada um por si, da propaganda, da mercadoria, do consumo, e da agressiva tentativa de esvaziamento dos espaços de participação pública, dos movimentos sociais, dos sindicatos.

Os movimentos sociais resistiram, mas a verdade é que aquele vendaval neoliberal que varreu o Brasil, a América Latina e o mundo, nos deixou na defensiva, na resistência, e nas respostas fragmentadas e sem um projeto ou alternativa que desse unidade e força às diversas lutas dos movimentos sociais.

Nos últimos anos, mesmo ainda sofrendo os estragos provocados pelas políticas de mercado, de privatização e de flexibilização das políticas públicas, dominantes na década de 1990 e início dos anos 2000, os movimentos sociais e suar organizações resistiram e combateram na busca da participação política na vida social, de mudanças nas prioridades econômicas, no resgate do papel do Estado e do poder público, na consolidação de canais de interlocução e proposição de projetos e alternativas, na distribuição da renda, na discussão coletiva dos orçamentos públicos, enfim, de institucionalização da democracia, visando melhorar a vida da maioria da população.

Os movimentos sociais sempre tiveram desconfiança do Estado, e, portanto, descrentes ou contrários à participação e suas esferas de formulações e decisões. No Brasil, desde a colonização, o Estado sempre foi espaço e instrumento de poder das classes dominantes, das oligarquias, seja no Império, seja na República. No século XX o Estado (há não se em pequenos períodos históricos de participação dos movimentos sociais nos destinos do Estado, como no início dos anos 1960 - governo Goulart - 1961-1964).

Portanto, têm razões históricas essa desconfiança e mesmo rejeição ao Estado e suas instâncias. Muitos estudiosos e pensadores, como Marx, afirmam, com certa razão, que o Estado é um aparelho de reprodução da ideologia e dos interesses econômicos e políticos das classes dominantes.

Com certeza, o Estado que interessa aos trabalhadores só vai surgir se desmontarmos, botarmos abaixo este Estado patrimonialista, privatizado pelas oligarquias econômicas e políticas, um verdadeiro comitê dos negócios dos empresários e suas organizações. O problema é a forma, o processo, o como fazer. Para isso temos que analisar a correlação de forças, a nossa capacidade organizativa e política de enfrentarmos essas tarefas de mudança social e econômica do Estado e da sociedade.

A nosso as mudanças se darão num longo processo de acúmulo de forças e de espaços conquistados, de disputas contra a hegemonia dos empresários, latifundiários e banqueiros, e seus interesses, no Estado e na sociedade. Portanto, têm que ser produto de um processo combinado de lutas, mobilizações e pressões sociais coletivas, dos trabalhadores e suas organizações políticas, dos movimentos sociais diversificados, e de avanços e conquistas dos espaços institucionais, sejam parlamentos, prefeituras, governos estaduais e federal.

A mudança tem que combinar a luta social, luta direta, nas reais, passeatas, mobilizações, greves, marchas e pressões contra os patrões e o Estado, com a luta institucional, na participação eleitoral, com candidatos e programas que defendem os direitos e reivindicações dos (as) trabalhadores (as), sejam para as câmaras municipais de vereadores, assembleias legislativa, câmara e senado federal, seja para as prefeituras, governos estaduais e federal, e com a participação ativa nos conselhos de políticas públicas, nos fóruns de discussão do orçamento e das prioridades políticas de aplicação dos recursos públicos, nas instâncias de proposição e gestão pública.

O Estado (aqui entendido como esfera governamental, portanto), aqui incluídas as prefeituras, e suas políticas devem ser públicas, para responder aos interesses públicos. Desprivatizar o poder, empoderar os movimentos sociais, construir os espaços públicos estatais de participação, eis uma das tarefas dos sindicatos, dos movimentos sociais.

Num país complexo como o nosso, com profundas heranças escravistas, de exclusão dos pobres, marginalização e criminalização dos movimentos sociais, de violência institucional, de silenciamento, esmagamento e agressão aos direitos das mulheres, dos negros e negras, dos índios, dos homossexuais, enfim, marcado pelas injustiças sociais na distribuição da renda e da decisão política, mais do que nunca temos que tomar o Estado e torná-lo realmente poder público, para democratizar a economia, a política e a sociedade.

Tomar o Estado significa retirar das mãos dos interesses privados, patrimonialistas, nepotistas, e trazê-lo para as mãos dos (as), trabalhadores (as), das crianças, dos jovens, dos adultos, enfim, da sociedade que trabalha e produz a riqueza da nação.

Não é possível mudar o mundo sem mudar o poder. Mais do que nunca devemos participar da política, a luta sindical tem profundos limites, pois está presa às reivindicações corporativas, econômico-salariais. Na disputa política mais geral, pelos direitos dos (as) trabalhadores (as) são necessárias, fundamentais e não podem ser abandonadas. Mas devem combinar com outras lutas e reivindicações, que são obrigações do Estado (poder público).

Os (as) trabalhadores (as) devem ter seus representantes nos parlamentos e nas prefeituras e governos. Mais que aliados, são seus representantes. Porta vozes de suas bandeiras, reivindicações, projetos e alternativas. Numa democracia representativa, que tem hegemonia das classes dominantes, mais do que nunca devemos ampliar as esferas da participação, da cidadania e da democracia popular. Sim, devemos lutar para construir uma democracia popular, um projeto das maiorias, dos setores populares.

Esses espaços de participação também são espaços de formação política, de desenvolvimento de uma cidadania ativa, consciente, concreta, vinculada aos interesses de classe.

Centenas de conselhos, espaços, fóruns e instâncias institucionais, políticas, governamentais, que discutem o orçamento público, que definem onde aplicar os recursos advindos dos impostos cobrados, em sua maioria, dos (as) trabalhadores (as), está ocupado apenas pelos empresários e pelos burocratas estatais. Estes, com certeza, discutem e aprovam nesses espaços os seus interesses particulares, as suas prioridades, silenciando a voz dos mais pobres, calando as reivindicações dos movimentos sociais.

Pela ausência dos movimentos sociais (aqui incluídos os sindicatos), acontecem os desvios de verbas públicas, a corrupção, o roubo desenfreado da riqueza produzida pelo trabalho dos (as) trabalhadores (as). Quando os (as) trabalhadores (as) ficam de costas, às escondidas se praticam o nepotismo, o empreguismo, o leilão do dinheiro público, a privatização, a corrupção.

Cidadania ativa, discussão do interesse da cidade, governar os desejos coletivos, eis uma das tarefas fundamentais colocadas aos sindicatos, além do salário e do emprego. Isso sim significa República, "res" (coisa) pública, consciência política, agir coletivamente, responder à importância e a centralidade de participação das bases, construir o poder popular de baixo para cima, romper com as velhas estruturas apodrecidas do Estado, do poder público, da política e da economia.
Enfim, no concreto significa erguer novas estruturas sociais, consolidando a distribuição da renda, da participação, da democracia.

Por Helder Molina - Professor da Faculdade de Educação da UERJ; Pós Doutor em Educação - UnB; Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ; Mestre em Educação - UFF; Pós Graduado em História - UCAM; Licenciado e Bacharel em História - UFF; Formador Sindical, Educador Popular; Assessor de Formação Política e Planejamento Estratégico de Gestão