Ministério Público derruba legalidade de escolas militarizadas


Desvio de função e de recurso, violação à Constituição e ao ECA, ataque à gestão democrática e aos direitos humanos. Esses e outros argumentos balizam a nota técnica do MPDFT que revoga a legalidade do Programa Colégios Cívico-Militares, implementado por decreto.

Publicado: 18/05/2022 09:37 | Última modificação: 18/05/2022 09:37

Escrito por: Sinpro-DF

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Usar brincos ou boné, sentar no chão, mascar chiclete, trocar figurinhas ou optar pelo próprio corte de cabelo são consideradas infrações pelo Regulamento Disciplinar para as Unidades de Ensino do Distrito Federal participantes do Programa Colégios Cívico-Militares. Também fazem parte do rol de faltas disciplinares outras ações que chegam a cercear direitos constitucionais, como participar de manifestações. Em vigor no DF desde janeiro de 2019, o projeto implementado por decreto pelo governador Ibaneis Rocha teve revogada sua legalidade a partir de nota técnica do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

O documento expedido pela 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (ProEduc) aponta uma série de violações à legislação na proposta de militarização das escolas, e destaca inclusive que “a regulamentação de sistemas de ensino deve ser feita através da edição de lei formal, pelo Congresso Nacional”.

A nota técnica do MPDFT apresenta como um dos embasamentos para revogar a legalidade do projeto de militarização os direitos constitucionais ao princípio da dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.
O princípio da dignidade humana “garante ao indivíduo o direito de fazer suas próprias escolhas, segundo seus planos de vida e projetos existenciais, a partir das suas visões de mundo”. Já o direito ao pluralismo político garante “o direito à livre manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”.

Ao mesmo tempo, como destaca o documento do MPDFT, “o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 17, o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
Na prática, pelo projeto de militarização das escolas implementado pelo Governo do Distrito Federal, o exercício desses direitos configura falta disciplinar.

Para o Ministério Público, “cabe ao Estado Democrático reconhecer, e não suprimir, individualidades, promovendo a proteção integral de crianças e adolescentes e o respeito a seus direitos fundamentais, entre eles, o livre desenvolvimento da personalidade e o direito à educação como instrumento emancipatório”.

Sem efeito

Um dos destaques da nota técnica elaborada pelo MPDFT é a ausência de dados que comprovem o sucesso da proposta de militarização das escolas públicas.
“Transcorridos 3 anos desde o início da implementação da Gestão Compartilhada, não apresentou a Secretaria de Educação o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB das unidades participantes, tampouco o índice de evasão escolar, índice de aprovação/reprovação, número de pedidos de transferências, entre outras informações requisitadas pelo Ministério Público, a fim de demonstrar a melhoria na qualidade do ensino”, aponta trecho da nota técnica.

O documento ratifica a necessidade de apresentação dos dados não informados pelo GDF e ainda solicita, entre outros pontos, a “triagem da relação de denúncias de violação a direitos humanos encaminhada pela Câmara Legislativa do DF”.

Desvio de função e de recurso

A nota técnica do MPDFT que revoga a legalidade do projeto de Escola de Gestão Compartilhada alega também que a presença de policiais militares na função de direção compartilhada nas escolas públicas configura desvio de função.

“Não estão dentre as atribuições da polícia e dos bombeiros militares aquelas de gestão/administração, monitoria (destinada a alunos) e tutoria (destinada a professores) de escolas públicas dos sistemas regulares de ensino”, traz o documento do MPDFT.

Pela Constituição Federal, profissionais da educação escolar da rede pública só podem ingressar na carreira por concurso público.

Um outro desvio também é apontado pela nota técnica: o de recursos. O texto lembra que o decreto que estabelece a militarização das escolas “está dissociado do planejamento decenal contido no Plano Nacional de Educação e desvia recursos que deveriam ser destinados prioritariamente para integral cumprimento dessa políti

A nota técnica do MPDFT ainda aponta que o projeto de militarização das escolas públicas representa violação de norma constitucional. Pelo documento, a proposta “fere os princípios constitucionais da reserva legal e da gestão democrática do ensino público, bem como aqueles fixados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pelo Plano Nacional de Educação”.

“O projeto de militarização é verticalizado. É a ordem de um superior e o cumprimento dessa ordem por seus ‘subalternos’. É o avesso do que propõe a gestão compartilhada, onde cabe a todos e todas as decisões, a partir do processo de diálogo; onde a proposta é formar pessoas com consciência crítica, a partir de uma educação libertadora”, afirma a dirigente do Sinpro-DF Luciana Custódio.

Contrário aos direitos humanos

A rigidez registrada nas escolas cívico-militares, além de contrariar a própria Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliou-se para ações com contornos de violações aos direitos humanos.
Foi manchete de vários meios de comunicação o caso realizado no Centro Educacional 01 da Estrutural. No dia 5 de maio, estudantes da escola realizaram protesto contra a exoneração da vice-diretora Luciana Pain, que se opôs ao encaminhamento de alunos para a Delegacia da Criança do Adolescente por suposto ato de desacato.

Na ação, os estudantes também denunciaram ter sofrido ameaças de policiais após criticarem o modelo de militarização. Vídeo gravado por um estudante e publicado pela TV Globo mostra militares gritando com um aluno em sala de aula. “Bota a mão pra trás”, “eu te arrebento”, “abaixa a cabeça porque estou mandando”, “baixa a bola” foram algumas das frases ditas pelo militar que exerce a função de monitor disciplinar do CED 01 da Estrutural.

O policial foi afastado, e o caso está na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF. O MPDFT também cobrou providências do governo.